Solidão
quero reinventar a palavra solidão
palavra que não descreve o fátuo
ato de desejar e desistir
em meio a tantos amigos de ocasião
quero reinventar a palavra solidão
que não serve mais para dizer
o que é que paira no ar
depois de algumas horas de transformação
quero reinventar a palavra solidão
que está desgastada e insuficiente
e que não mais nomeia o espectro
de um tempo de isolamento e distração
Infância
quando eu juntar todas as letras
que forma a palavra infância
infância não mais será
são poucos os tipos
da palavra
como são poucos os anos
do principiar
mas são ambos os casos
um montante suficiente
para uma nova organização
do que em essência ainda sendo
o que foi no começo
agora
outra coisa
será
talvez o mosaico que surja
primeiro não signifique muito
mas a raiz decomposta
estará lá
estarão lá a infância
os anos
e a palavra
bastará apenas
procurar
Você
Sobre você, muitas palavras
são possíveis e talvez necessárias,
mas eu não posso macular sua individuação
com o encarceramento imposto
por uma linguagem autoritária.
Falar sobre seu corpo ou sobre sua personalidade
não vai servir como a mais adequada homenagem
porque, se cada termo que eu impuser dizer muito,
também não dirá tudo, e o que é mais cruel,
fala em silêncio o que você talvez nem seja.
Você deixa de ser você para ser
minha personagem,
devaneio e tara,
montagem.
Quero-te pessoa de carne e lágrimas
inexplicável contradição;
quero-te inconstância, medo, suor, paixão…
quero-te dolorosamente humana,
natureza, descoberta, estupefação dos sentidos;
quero-te indefinição.
Lucas Grosso é o autor dos livros de poesia Nada (Patuá, 2019) e Hinário Ateu (Urutau, no prelo). Já publicou em revistas como Mallarmargens, 7Faces, Zunái e publica com regularidade nas revistas Úrsula e Subversa.
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