Bianca Grassi nasceu em Jacobina, Bahia, e cresceu no sul do Brasil. Formada em publicidade e propaganda com ênfase em marketing pelo IPA em Porto Alegre RS, é designer, ilustradora e representante da comissão de diversidade e inclusão da Avast Software. Desde a adolescência escreve contos e poemas. Aos 16 anos, teve o seu primeiro conto publicado no livro Algumas Ficções, Editora De Leon. Atualmente mora em Praga, na República Tcheca.
Abismo
a última vez que encarei o abismo
eu era diferente
e o abismo também
o observei com olhos curiosos,
pés descalços,
sussurrei palavras bobas de carinho
– pedidos mudos de socorro –
mas estava escuro
e me senti implacavelmente só
e foi entre as coisas cotidianas,
desimportantes,
bem entre os meus dedos,
que o tempo escorreu feito água
me forçando a atravessar o oceano
– atravessar tantas desgraças! –
para conseguir ver tudo com clareza
olho a imensidão, hoje menos austera
não tenho lágrimas nos olhos
nem fome, nem falta de ar
tudo em mim, nesse instante,
é silêncio, alívio e conforto:
o abismo tem o meu rosto.
Abandono
A primeira vez que Deus me abandonou eu tinha 2 anos
Ainda lembro do meu vestido de botões florido
E da mão de um homem tapando a minha boca
Minha primeira lembrança.
Até hoje ouço a respiração pesada
A porta do banheiro trancada
E um botão colocado na casa errada.
A segunda vez que Deus me abandonou eu tinha 9 anos
Ainda lembro a vista do cemitério
E a marca da mordida de um homem no meu braço.
Lembro das batidas na janela
Dos gritos, dos vultos, dos sussurros
E de deixar tudo para trás pela primeira vez.
A terceira vez que Deus me abandonou eu tinha 12 anos
Lembro do calor do verão, do uniforme da escola,
E de um homem de capacete num terreno baldio.
A moto ainda ligada, plena luz do dia, o medo
Lembro da grama nas costas, manchas na camiseta branca,
E de correr a ponto de não mais sentir as pernas
Depois disso Deus me abandonou inúmeras vezes mais
Com 13, 16, 17, 20, 26 e até hoje
Todos os dias Deus me abandona um pouco
E quando não me abandona, me faz companhia em silêncio
Só pra ter certeza que meus demônios ainda vêm me visitar.
Eu espero a morte
Eu espero a morte
Eu espero a morte e sirvo um café
Ponho dois pães no forno e ajeito a mesa
Faço carinho nos gatos
Leio uma frase de efeito do meu livro favorito
Falo algumas palavras soltas de alguns idiomas que não domino
Respingo umas gotas de perfume no cabelo e no pulso deixo apenas a veia à mostra.
Eu espero a morte
Sem pressa, sem fuga
Pulmão que enche também esvazia
Coração também é carnificina
Mão que se cerra em um golpe, ou um laço
Vida que é vida sabe que morre
Não interessa o que eu penso, ou o que eu faço,
Eu espero a morte
Um sorriso no rosto
A vida é só isso
O que mais se pode esperar além da morte?
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