Cinco poemas de Carlos Cardoso

Carlos Cardoso revista Literatura e Fechadura - Cinco poemas de Carlos Cardoso

Carlos Cardoso é engenheiro, natural do Rio de Janeiro. Destaque de sua geração, é considerado o representante de uma nova poética no país. Sua produção literária é marcada por uma escrita singular e de dicção própria, o que torna sua obra independente e única. Seu novo livro, Melancolia (Editora Record – 2019), tem a apresentação de Antonio Carlos Secchin e a orelha assinada por Heloisa Buarque de Hollanda. E o constante diálogo do poeta com as artes plásticas é estampado na capa do livro, feita pelo pintor e escultor Carlos Vergara. A obra foi eleita a melhor de 2019 na categoria poesia pelos membros da APCA (Associação Paulista de Críticos de Artes).

 

 

Cavalos-marinhos

Há na palma de minha mão
um cavalo-marinho.

No fundo do que sou
mergulho
em raras profundezas.

Talvez assim entenda
que viver
não é acordar após dormir
e que não há maior beleza
que a solidão
e o fechar os olhos e partir.

Vejo que são rasas as pessoas
pelas partículas que vejo.

Se assim creio, assim crio
nesse mar selvagem
e apenas sumo
entre os redemoinhos
e os cavalos-marinhos

entre ondas
que abrigam e afogam
para dentro me jogam
me deixando lá.

 

 

O passado

Passadas as horas ficou o passado
e o vago que é a lagoa Rodrigo de Freitas
e seus peixes mortos a boiarem.

É nele que me fixo.

O passado é fonte de riqueza
é nele que busco o saber
é nele que encontro o que busco,

o passado é mais hoje que o presente
que quando ausente
é no passado que eu volto.

O futuro que vejo é refém do passado que eu sei,

como uma couve que brota do seu broto
como uma árvore que um dia foi semente,

o passado é melancolia,
e de repente

isso é tudo o que eu queria.

 

 

Espanto

Releio os meus versos
e me aterrorizo com o que faço.

Como pude escrevê-los?

Como me deixei expor
como um quadro na parede
em diferentes formas de estar ali
no plano

e sublinhado por tudo que é subjetivo?

Vontade de voltar a ser criança
e brincar de pique-esconde e lambuzar-me
de mariola e rapadura derretida,

por baixo da cama
jogar as folhas de papel,
doar minha lapiseira
a uma entidade filantrópica
e guardar tudo que sou,

deixar os meus rastros contados,
fotografados e mostrados
somente para minha memória,

e no espanto me desintegrar.

 

 

Distração

Estou ainda forte
em linha reta,
poesia sem nome
e uma infinita
dor nos dedos,

incorporo o sentir
obtuso e abstrato,

nada se é além
do que é proferido,
do que fito
quando não brado,

silêncio,

por vezes abstenho-me
do que é estar em tudo,
inverídico
conquisto a cada dia um
pouco de integridade,

na distração do que é ser
me torno sempre
indiferente a tudo
que me agride e afaga.

 

 

Melancolia

1.

Rasgo meu destino
e o trago sem revolta
retiro do bolso minha arma
uma folha de papel
e uma caneta,
não há pólvora!

O ar que me espera
é o ar que me salva,

uma explosão é pouco.
Então uso as metáforas
e as imagens ao meu favor
quando escrevo sem medo
quando escrevo com dor,

grito grito e fico mudo
quando a tarde escurece,
o dia foi-se, tudo padece,
sem prazer, só silêncio,
um instante de alegria não há!

Melancolia,

faz-se necessário
dar um passo, arrisco!
Não me desfaço.

Para esse livro
não escreverei
o que é fácil de entender
o que é fácil de ler
o que é fácil de não ser
o que realmente sou.

Brinco com plástico bolha
ao embrulhar
o boneco do livro.

Iniciarei sem medo,
com a cabeça erguida
falarei em primeira pessoa,
direi: eu! Eu digo!

Cruzarei os mares
com o barco a vela
que me for mais propício,
brincarei com o precipício
e sem sentir o ar
respirarei suavemente,

há anos tento descobrir,
há anos busco tentar,
tento, há anos descobrir,
o que sou, o que quero
e porque fiz o que fiz
sem pensar e sem sentir,

e me arrependo,
e me distraio, e me confundo

nos anos de minha vida árdua,
cuspida de vinagre
onde o sabor me alucina,

deixei que o vento
cortasse a minha casa
de um extremo ao outro,
esculpi a parede mais linda
de tijolos maciços
com maçarico,
argila, cuspe,
e minhas próprias mãos,

não me importo
se não citarei nesse poema
grandes filósofos,

o casulo está aqui, em mim,
eu me escondo,
eu digo que é frio
quando é noite
e que é quente
na madrugada.

Nada?

Não, sou eu!
Esse livro sou eu!

Melancolia,

a palavra
resume esse livro
que levo à vida
e solto no mundo
de todos que o alcançarem.

Falo, porque não
escreverei de forma vã,

quero olhar
para minha melancolia,
e me entristecer, e sentir
que viver é simplesmente viver.

Fogo, aço moído,

ácido cuspido,

sofrimento?

Quero estar no topo,

brinco com plástico bolha
ao embrulhar
o boneco do livro.

 

2.

Esse estrago continua,
linda essa lua despida,
sua ida é sem volta,
revolta? Tristeza?

Melancolia.

Racha na minha cabeça
o sol que o dia quente no Rio de Janeiro
mantém mesmo a meu contragosto,

não gosto mas não fujo,
o frio dos países nórdicos
me atrai, a escuridão

durante o dia me convida
e sem volta ou ida, eu vou!

Parágrafo embaralhado
com reis valetes e damas,
o coringa é o que mais vale.

Vai entender?
Pois eu não entendo!

Astrofísica, astronauta, os astros,
e continuo a caminhar,
a caminhar,
e caminho sem deixar um rastro.

 

 

imagem: https://bit.ly/3jgXa7R

 

 

 

 

 

 

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