Fernando Andrade entrevista a escritora Ana Suy Sesarino Kuss

Ana Suy Literatura e Fechadura - Fernando Andrade entrevista a escritora Ana Suy Sesarino KussAna Suy Literatura e Fechadura - Fernando Andrade entrevista a escritora Ana Suy Sesarino Kuss

Fernando Andrade – O fato de seus textos não ter um gênero fixo, podem ser poemas, prosa poética, contos, crônicas. A sutileza das cintilâncias e significações, no texto,  tornam-se ainda mais agudas ao leitor?

Ana Suy Sesarino Kuss – Eu não sei, espero que sim. Mas não é proposital. Nunca estudei sobre como escrever, eu escrevo porque escrevo. Acho bonito pensar antes de escrever e escrever com técnica, mas minha relação com a escrita é mais bruta, é de sobrevivência. Eu vivo escrevendo porque não sei viver de outro modo.

Foi uma imensa alegria que Eduardo Lacerda, editor da Patuá, tenha lido meus escritos e topado publicá-los. Ainda mais porque Eduardo deu um nome para o que escrevo: “crônicas poéticas”. Essa nomeação me caiu como uma legitimação para o meu modo de escrever.

 

Fernando Andrade –  Vi um certo relato de como se afetar pelo outro, não diria que seja uma parceria, muitas vezes nos seus textos a coisa não acontece deste jeito. Mas uma vontade doida de desejar não só o corpo, mas a interioridade da pessoa. E nisso vem projeções, decepções, ões da vida. Como foi falar destas questões numa sintonia que parece de um consultório, mas há algo muito além que difere de uma relação de escuta & fala, apenas. A narração seria algo diferente das duas?

Ana Suy Sesarino Kuss Escrevo sempre a partir de mim mesma. Coisas que sinto, que imagino, que vivi na realidade compartilhada ou em minha realidade mais íntima. O amor é meu tema central. Vez em quando me perguntam: “por que o amor?” e eu sempre questiono “e o que mais seria?”. Fico sempre muito impressionada quando alguém escreve, ou pensa que escreve, sobre outra coisa que não o amor. Para mim é só isso que importa. E por amor, não me refiro ao amor romântico, mas justamente a essa afetação que cada um de nós sente pelo outro. Deus me livre de viver numa higiene amorosa, deus me livre viver de modo afetivamente-asséptico! Quero mais é ser tocada, é sentir, é me deixar afetar. E que fique claro, isso não é sem consequências. Mas que possamos viver as frustrações mais do que nos dedicamos a evitá-las!

 

Fernando Andrade – Vivemos num mundo da catalogação, da classificação, da rotulação, onde o que se fala perde quase sempre a espontaneidade. Queria que você falasse saindo um pouco do livro, do processo de virtualização da afetividade, a presença hoje até pela pandemia, esta sendo trocada pela virtualidade. Como para você será hoje lidar com os sofrimentos da corpo-ego, diante disso?

Ana Suy Sesarino Kuss – Eu tenho aprendido muito sobre amor, solidão, presença, companhia, isolamento, corpo – durante a pandemia. Enquanto psicanalista, fiz uma coisa nova, passei a atender de modo online quem antes em atendia exclusivamente de modo presencial. E, pasme: os tratamentos continuam avançando.

Tenho mantido contato com amigos por meios online e, uau: me sinto muito amparada.

Mas os contatos online, embora sejam incríveis e me surpreendam, para mim, não substituem os presenciais. Ver alguém, sentir o cheiro das coisas, parar num ar diferente: isso sim é vida.

Quanto à escrita de “As cabanas que o amor faz em nós”, é interessante…escolhi os textos, fiz a edição, pensei no título do livro e tal no meu puerpério…justamente num tempo em que eu pouco ou nada saía de casa. Era a minha “quarentena”.

É muito curioso isso, escuto de várias analisantes e também de amigas e leitoras o quanto esse tempo de “quarentena na pandemia”, especialmente no Brasil, (porque não é assim no mundo todo) a gente recebe uma recomendação ao sair da maternidade: não saia de casa!

É curioso porque uma amiga minha fez uma viagem do Canadá aos EUA com o filho com menos de 1 mês e teve o aval do pediatra. Eu jamais faria isso. No Brasil, saímos da maternidade com a ordem de não sair de casa. Então, de um modo geral, a gente não sai. Fica em casa. Antigamente, fazia amizade com as vizinhas. Nos dias de hoje, usa e abusa das redes sociais.

A solidão de uma mulher que acaba de parir é muito parecida com essa que vivemos na quarentena, aposto e desejo que tenha gente estudando isso.

Quando eu disse que publicaria “As cabanas que o amor faz em nós”, com minha filha com poucos meses de vida, minhas amigas se chocaram e diziam “mas como assim?

 Algumas se animavam com minha “admirável capacidade de escrever” mesmo no pós-parto. O fato é que nenhum texto das cabanas foi escrito no pós-parto. Todos os textos do livro já estavam ali. Eu apenas os escolhi e revisei para serem
publicados.

As poucas coisas que escrevi no pós-parto precisarão de muito mais tempo e revisão para que eu não publique loucuras.

Estou prestes a publicar um novo livro, também pela Patuá, se chamará “A corda que sai do útero”. No meu novo livro tem textos que escrevi na gestação e outros que escrevi recentemente, depois dos 2 anos da minha filha. O que escrevi dos 0 aos 2 anos dela merece mais cuidado antes de sair por aí.

 

Fernando Andrade – A carta era uma remessa que mandávamos para um ente querido, ela deixou de ser um cunho afetivo para virar uma fatura que temos que pagar com demandas sociais e econômicas. Teu livro me lembrou um pouco esta relação de afeto das cartas, onde a codificação do real não existia. A analogia ou analógico tinha suas belezas nas metáforas, nos floreios. fale um pouco disso.

Ana Suy Sesarino Kuss –  Eu só escrevo cartas, porque só escrevo para um tipo de alguém. Na contemporaneidade, com o advento do whatsapp e dos áudios, eu aderi, com pessoas especiais. E troco vários áudios com amigas. Chamo-os de “cartas faladas” ou de audião. Gosto muito dessa proximidade que a tecnologia permite.

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