Mariana Marino é poeta e doutoranda em Estudos Literários pela UFPR. “Peito aberto até a garganta” é seu livro de estréia e foi publicado pela editora Urutau em março de 2020.
2 poemas do livro Peito aberto até a garganta (2020) e 1 inédito.
http://editoraurutau.com.br/
i.antes do cânone
na pedra a primeira escrita
documentou a produção agrícola
das cidades esquecidas
e figuras desimportantes
porque trabalhavam com as mãos
e a sujeira fincava nos dedos
e a fuligem tomava os pescoços
grossos como os pés
nada ainda era sobre domínio
ou articulação discursiva
não existia política e ideologia
a formação do mundo sem cartilha
ou lápis pré-fabricados
e gênios envaidecidos
e homens vitoriosos
era a terra e a fome
e a chuva e a sorte
sem sul e norte
foram escritas na pedra
estórias mortas
por gente morta
sem glória e futuro
e mesmo assim escreviam
seguiam escrevendo
axiomas do vento
ii.
jeferson usa os silêncios
para nos distrair
da vida desbotada
ele desaparece
quando alguém pega mais que quatro ônibus ao dia
ao invés de três pinhas nos canteiros do centro
— afasta-se e vive entre os cães de rua
nos terminais de ônibus
cata a substância de pertencer
como um filhote fareja o rabo da mãe —
reaparece delgado em nosso sofá
surge como quem escala alturas de pedra
uma cabra que salta entre as nossas falésias
Poema inédito
QUANDO EU FOR, reguem
as plantas, um pé de manjericão,
antúrios, pequenos arbustos,
pimenteira, comigo-ninguém-pode.
Contem o número de mosquinhas
do banheiro, deve haver no mínimo seis,
tentem não matar as distraídas ao encharcar os corpos no chuveiro.
Coloquem as toalhas ao sol e comam numa mesa larga
juntas, façam patê e pão das próprias mãos.
Desçam a rua em direção ao passeio,
acariciem as carpas,
atirem-se no córrego.
Sintam a água parada cobrir as costas,
deixem-se imergir por segundos e
minutos, até faltar o ar dos alvéolos—
assim saberão como e onde estou.
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