Três poemas de Mariana Imbelloni

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Mariana Imbelloni.  nasceu no Rio de Janeiro, mas foi criada em São João del Rei, MG. Voltou para o Rio de Janeiro em 2008, mas ainda procura fazer de toda parte um pouco sua cidade do interior. Pesquisadora, poeta e advogada, atualmente escreve para Revista Prosa, Verso e Arte.  Autora do livro “o fio invisível dos dias”, a ser lançado pela Editora Urutau. Também no instagram @marianaimbe  

 

 

Maio/2020

Não, não nos enganemos
nada está em suspenso.
A vida segue teimosamente brotando nas entranhas do mundo.

Os cabelos crescem,
as crianças arriscam os primeiros passos,
flores mortas adubam o solo,
a coluna enverga em uma escoliose,
uma colônia de cupins acaba de construir um palácio em algum desterrado,
e alguém certamente está se apaixonando nesse exato instante.

Não esperemos do que resta,
mas do que surge.
Mesmo que não o vejamos
porque velando
os obituários
em páginas de jornal.

E é preciso velar
é preciso gritar
é preciso revoltar-se contra a apatia apocalíptica
da contagem de corpos,
mas é preciso saber
que toda explosão
é gestada
por uma infinidade de pequenos espasmos subterrâneos.

A nós, que habitamos as superfícies,
não nos enganemos.
Preservemos o espanto
e o encanto
únicas possibilidades contra o horror.
 
 

Junho/2020

Toda vez que saio de casa procuro metáforas
para me ajudar a entender esses dias
mas nada mais ilustrativo que as ruas parecerem normais
enquanto eu vejo a preparação de apocalipses
da minha janela de fundos.

(morar em um apartamento de fundos me lembra diariamente
que todo meu horizonte são os outros)

A única vez que eu vi uma cidade deserta
foi porque a lama tinha tomado conta
e desde então eu entendi a importância de saber onde alaga
antes da chuva.

Uma casa também conta pelos seus entupimentos
sobre a impossibilidade de sair
e a impossibilidade de ficar
(a rua devolve o que a gente acha que joga fora
e só quem limpa o próprio cabelo acumulado no ralo sabe disso).

Não sei se você já reparou, mas acho que todas as torneiras da casa estão vazando.
É óbvio que você já reparou: todas as torneiras da casa estão vazando.
A gente não tem falado nisso, mas às vezes penso que nos comunicamos pela força que
a gente coloca apertando as torneiras

E com isso eu entendo: estamos segurando.

E também: não vamos segurar.

 
 

Julho/2020

Já é uma da tarde do dia em que eu deveria ter feito tudo
e eu só consigo ficar ouvindo essas várias nuances de silêncio que preenchem a casa
e isso parece muito.

Eu sempre achei que andar
era sobre continuar caminhando,
mas estou aprendendo que continuar caminhando
é sobre parar
e que sobre
é o meu jeito de dizer que algo está dentro
mas não está contido.

Essa noite sonhei com uma casa cheia de lembranças nas gavetas
guardada por um homem
de quem tento cuidadosamente não lembrar.
Ele guardava a casa mas descuidava das lembranças
que não eram mesmo dele
e eu me pergunto porque a gente guarda coisas
com alguém que não sabe
o que elas são.

Acho que o sonho era sobre esquecer
que está dentro de lembrar
mas não está contido.

Estou aprendendo a ouvir
o som de uma pessoa indo embora
antes dela saber que está partindo
o som de uma vontade se desfazendo
o som de um caminho se extinguindo
(se parecem).

Eu às vezes queria poder te chamar para minha sinfonia de silêncios
mas você não escuta.

Eu estou aprendendo.

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