FERNANDO ANDRADE – Teus poemas traçam uma narrativa do diálogo com o cotidiano mais travesso, onde o peso de alguma filosofia, a dureza da vida. É diminuída pelo jogo das palavras poéticas que atravessam esta dureza com muita ludicidade e contrapelo. E tua voz pareceria vir falar para (dos) amigos que se encontram estafados deste percurso? Comente.
[Renan]: Acredito que de fato seja o cerne do Balda o olhar sobre o cotidiano. Não usaria “travesso” para qualificar, mas a ideia de diminuir certa dureza é sim uma busca, mesmo quando o registro beira simplesmente à melancolia acredito fazer isso sem forçar o texto. Quanto ao ponto de parecer que os poemas vão ao encontro de amigos, concordo. Em retrospecto, percebo que muitos deles foram escritos a partir da convivência, da troca, dos bares, das aulas, leituras. O livro para mim é a materialização dessa convivência, das relações com as pessoas que me suportaram, que me animaram a continuar a escrever, talvez por isso esse tom de diálogo e afeto.
FERNANDO ANDRADE – Os americanos na contracultura criavam elementos onde a civilização, era engolida pelo aspecto da aventura ao desconhecido, da fuga da rotina mais atroz partindo para certas viagens interiores ou desertos internos. Você acha que teu livro, hoje, embora escrito agora numa época descontextualizada da contracultura carrega alguma identificação com aquela geração?
[Renan]: Li algumas obras da Geração Beat, mas não me arrisco a criar um paralelo. Meus textos possuem algo um tanto datado, nostálgico mesmo, talvez daí a ideia de fuga que você relacionou com a contracultura. Infelizmente, eu não processo muito bem a realidade mais imediata nos meus poemas. A escrita de um poema sempre me foi algo mais próximo de contemplação, quase fuga mesmo, mas uma fuga mais ingênua, menos planejada, como parece ter sido a dos escritores da contracultura.
FERNANDO ANDRADE – Há uma certa linha de meditação nos seus poemas, pequenas matizes de medi(ta)r a operação sobre vida no que ela tem de mais maquínica. Como foi ter esta filigrana de reflexão sobre o ato po(li)ético? Na desobediência civil do existir.
[Renan]: Escrever, para mim, passa por essa ideia de contemplação, eventualmente um insight, um gatilho de pensamento, por isso busco imagens, cenas, palavras, um corpo que possa carregar uma ideia, mas que não seja algo didático. Uma ideia que viesse como uma cena de filme. Onde a partir de uma “distração” narrativa ocorra em quem assiste um lampejo. Não sei se respondi a pergunta, de todo modo, a reflexão é algo inerente para mim quando escrevo.
FERNANDO ANDRADE – Como é seu processo de costurar as imagens visuais através de uma narrativa que parece um certo tipo de conto-poema?
[Renan]: Adorei mesmo esse termo “conto-poema”. Amigos próximos já enfatizaram diversas vezes a narratividade dos meus textos, inclusive colocam em xeque se valeria a pena o corte, o formato em versos. Não é algo que pensei ou planejei nos detalhes, os poetas que mais leio possuem muito forte essa característica, então devo ter incorporado ou não ter resolvido bem a influência. Mas confesso que gosto dessa tensão narrativa em um poema, afinal é um tipo de texto que talvez teria nada, ou, pouquíssimo desse elemento (hoje em dia). É um desafio interessante a meu ver, criar versos ou cenas inteiras que continuem musicais, considerando que meus gatilhos para escrita são cenas, são imagens em movimento que me impressionam, e por isso tento apreendê-las no texto.
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