Nasci em Recife, mas sou cearense. Publiquei os livros de poesia: Cacos de Cristo, O sol e a maldição, Cartas de navegação e Calabouço de reticências ou a aridez do oceano. De prosa: O rio das onças. Recebi o Prêmio Ideal de Literatura com o conto O caminho da novena e com o poema O canto do anjo vermelho. Graduado em história pela UECE, mestre – na mesma disciplina – pela UFC & doutor em Estudios Latinoamericanos pela UNAM. Sou professor de história da América na UFRB, mas o que importa mesmo é que sou pai de Marialice.
rito pagão
meu avô não comia galinha em restaurantes
pudor de, em público, tocar ossos com as mãos
maria abriu a torneira
e a voz de oxum escorreu pelo chão da garagem
aos vinte e dois anos
o sexo é o caminho da salvação
os mortos que andam comigo
os mortos que andam comigo são muitos
e têm fome
e têm sede
e têm dedos longos como os dos pianistas
os mortos que andam comigo são muitos
e têm sonhos
e têm olhos de lua
e vestem roupas negras à maneira dos que carregam o peso do luto
os mortos que andam comigo sabem beijar
os mortos que andam comigo estão sempre em carne viva
os mortos que andam comigo se reproduzem na velocidade dos ácaros
os mortos que andam comigo sobreviveram a cem mil chacinas
os mortos que andam comigo têm cílios esverdeados
e as peles cobertas por escamas de sal
os mortos que andam comigo falam muito
se excitam facilmente
e quando entram no mar
esquecem todas as promessas das últimas madrugadas…
jaguaribe, rio seco
para s. s.
Não aguentava mais aquele rio seco.
Ainda que sim bonito ver aquele solo esturricado.
Serpente soltando as escamas.
Serpente soltando as plumas.
Aquela piçarra orando ao além por umas gotas de água.
Aquelas onças entoando cânticos de sede.
Aquela clepsidra de vidro feita com ossos de gafanhotos amarronzados e:
Esperanças verdes.
Nuvens acesas.
Do Cariri ao Jaguaribe.
No meio:
O céu azuzim do iguatu ao meio-dia.
Tarde esticada que nem cordel de feira.
Vertigem é o tempo para quem espera.
Horizonte é o que evita a queda.
constelação
Os suicidas desacreditaram de Pasárgada.
Ou tentaram alcançá-la antes da hora.
Desistiram do mundo que lhes tocava.
Ou ousaram desafiá-lo sem mais.
No gesto extremo.
Reunidas como as duas corujas de Magritte.
A ousadia e a covardia em estado bruto.
O egoísmo e o amor à humanidade em estado pleno.
Vi seu corpo esbagaçado na calçada.
O efeito do impacto era tão duro.
Que sua boca já não alcançava pronunciar palavra.
Apenas balbucios gemidos e outros sons de dor.
Você estava no vale de lágrimas.
Tão mergulhada em sua própria agonia.
Que sequer chegava a reconhecer minha presença no canto da sala.
Eu me mantinha alheio.
E meu alheamento me mantinha vivo.
Uma hora fui convidado a te abraçar.
Te abracei.
Você prefere ter razão ou ter felicidade?
Razão, respondi sem hesitar.
Estava concluída a sessão.
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