Jean Narciso Bispo Moura entrevista o escritor e crítico literário Fernando Andrade

LOGARITMO SENTIDO - Jean Narciso Bispo Moura entrevista o escritor e crítico literário Fernando Andrade

 

 

J.N.B.M.: O título se apresenta de modo contínuo, como não existisse distanciamento semântico entre as palavras. Fazendo deste modo um novo vocábulo ou uma espécie de neologismo. Fale dessas trocas recorrentes em que as palavras subvertem e negociam com o leitor o sentido original, indo muito além do verniz lexicográfico. Fale disso.

F.A.: Sim, amigo. Crio uma estética até antes de uma semântica, onde no texto há sempre esta questão do jogo textual, rebatendo ora um título que continua no espaço de criação do conto.
Meu texto é vazado pelo que o leitor pode operar enquanto sensibilidade dele, pois a literatura opera numa via de mão dupla sempre. Eu faço uma espécie de negociação com as palavras, deixo elas folgadas e maleáveis no ponto que atravessam o encadeamento nas frases, e assim, possam ter uma largura e profundidade, criando uma piscina olímpica de camadas onde o leitor nunca boia, pois ele opera seu histórico de leitura também neste meu texto.

 

J.N.B.M.: Você parece querer estender a voz para além da coisa imediatamente falada. Há na sua escrita um sombreado que interage com outras leituras que vão do texto literário escrito, à evocação do contributo das artes cênicas, passando pela música e uma forte conexão com a produção audiovisual (cinema). Esses caminhos foram previamente traçados?

F.A.: Sim, eu sou o que leio. Há na minha escrita uma infinidade de referências e citações ao que me pertence como leitor. Eu trabalho como reconhecimento daquilo que me atua e efetua enquanto leitor. A ficção é um texto vazado ao infinito, enquanto procura pelo seu viés que não é algo que vá definir uma razão – tipo procure respostas na sociologia. Uso até uma forma dela, mas com um linha de operar deslizes de sentidos como no conto da pedra ( Petrificante). Ali há um viés até meio sociologizante, mas o texto é tão surreal em criar um efeito de alucinação do evento, em sim, – ficar na rua, que passam por ali milhares de afecções, sinestesias, sem definir o que é o fato. Talvez a maior ideia do conto seja o furo do espaço nucleado. E esta mestiçagem só é possível por brincolo ( brincolagem) com as artes em permanente fonte de hibridização entre espaços artísticos que se interpenetram de forma não ordeira e sim caótica.

 

J.N.B.M.: Fale um pouco dos processos de construção do presente livro. Ele ocorreu de forma individualizada ou você o amplifica, cedendo às trocas, audição e partilha em espaços literários e coletivizados de permuta?

F.A.: Este livro parte dele foi escrito pelo clube da leitura, aqui do Rio. São textos que são dados pela fonte de uma leitura de um texto de ficção. mas eu desvirtuo o mote e o tema para alcançar algo meu. É curioso que o livro tenha alcançado um linha temática até coesa perante o fato de que foi escrito durante 7 anos que estou no clube. Textos de 2013 como de 2017. Momentos que diferem do status afetivo do autor perante o que vê e recolhe do ambiente.

 

J.N.B.M.: O livro Logaritmosentido no seu jogo de palavras não se fixa apenas na comunicação ou ofício de mensageiro, parece haver um mover interno que captura na composição um degrau sofisticado destinado à música (estética sonora) concorrendo com o estado grafológico do escrito. Comente.

F.A.: Sim, existem contos que partem esta separação que fazem da ficção com a poética. Há uma questão aí que chamo de responsabilidade lúdica sobre o que tenciono como linguagem para provocar sentidos. A poesia ela nos traz uma liberdade tremenda de caotizar o sentido. De tresloucar o caminho que a leitura de uma pessoa pode fazer de um livro. Há mensagem, se ela existe, esta na quentura das palavras que não se entregam de prima ao amante receptor. A música, ela traz antes inquietação do que paz aos ouvidos do ouvinte. É harmonia na dissonância. Quero deixar Trump doido por jazz.  Através duma sonoridade entre vocábulos que se agridem, crio um surto de aproximação, onde Jazz e a lapa parecem a mesma localização. O medo de Trump no sexual é o mesmo do recalque puritano onde todo fascismo se entoca.

 

J.N.B.M.: Os personagens de alguns dos seus contos têm uma relação com o processo educativo de modo um tanto controverso. O contexto educacional é algo que lhe toca e inquieta?

F.A.: Sim, pois eu tento pensar nesta palavra que as escolas e família tendem a pertencer como algo totalmente bom, que normatizar. Somos durante a vida impetrados à classificar, rotular ( Mark do conto está cansado disso!), segmentar tudo em caixinhas, onde o filho sente raiva reprimida por que não pode chorar. A menina não pode ser explosiva pois perde sua feminilidade. Minha grita é com as doenças que tendemos a procriar com tanta angústia; com os recalques que literatura pode? soltar quanto forma de escrita do outro. É no personagem ou num verso que nos aparelhamos com certo traço de alteridade. ou não rs.

 

J.N.B.M.:  Os personagens do livro têm nomes estadunidenses ou como comumente falamos americanizados, cito dois exemplos Mark e Trump. Quais papéis eles desempenham na obra? Há alguma direção crítica nesta escolha?

F.A.: Há um certo subterrâneo correndo aí quando faço dos meus personagens, nomes anglo-saxões que parte da escola e família toda uma camada de surtos e dilemas sobre sexualidade, que aliás é arte gritante do livro, enquanto formas de fundar o corpo, como identidade não só do psiquismo, mas também, como forma de aceitação de não normatismos de gêneros. Mark pula de nervoso por que seu nome é cambiante perante seu sofrimento na escola. Tudo que ele mais odeia lhe lembra seu próprio nome. Mas as palavras também podem ser interessantes pelo novo, original, assim que ele vê uma mulher que leu Marcuse lhe dizer que os rótulos não prestam para nada. Que o sistema é para pegar fogo. Use mark, seu nome, ou para ser mais jocoso: Marcuse.

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