por Fernando Andrade | jornalista e crítico de literatura
O boxe é uma luta com o outro. Já dizia Cortazar: o conto vence por nocaute. O romance por pontos. Trabalhar um romance até a sua exaustão ou sua limitação por tamanho? Mas há outras lutas mais internas que travamos conosco até com mais enrosco. E tudo por causa de algo que nos dói, até quando escrevemos algo tão fantasioso como uma ficção científica.
A consciência poderia ser uma escrita?
De nosso labor interno, como camadas de uma cebola onde choramos não pelo ardor de uma forte sensação ralhante nos olhos, mas sim, pelas cócegas da internalidade mais profunda.
Neste mundo de cancelamentos, onde o dedo aponta para outro numa luta sem alteridade, é uma delícia ver uma autora relacionar o subjetivo eu com o mundo e suas voltas em 80 dias.
Ou mais exato 365 dias de contaminação pelo outro.
Divanize em seu ótimo Passagem estreita, contos, editora Carlini & caniato, bota um tablado que parece ser um experiência teatral; as funções empáticas do autor moderno quando procura entender a pesquisa do seu personagem enquanto agente que move a ação e sua captação (antenas). Pois os personagens da autora nunca se veem sozinhos, embora com lances de adaptação. Eles estão numa espécie de ciranda afetiva, onde se contaminam com esta gira que é o contato molecular mesmo que através de uma imagem especular.
Pois só vemos à nos mesmos com o outro. Neste mundo doido, muita gente deve sentir que é plenamente fascista, que o contato se exprime por uma espécie de doença. Tenho fobia ao próximo de mim. O efeito de contaminar foi neste mundo pós-moderno um pouco deturpado. Contaminar para uma escritora como Divanize é brincar com as probabilidades do outro. E isto só a escrita nos oferece.
Antes de adoecer, os filósofos já diziam que a coisa é problematizar, e achar o seu foco.
É aqui que a autora bota o dedo na ferida. Dizendo como as relações estão contaminadas pela anulação ao outro. Pela falta de empatia. Vivemos num mundo over, com informações que deturpam sentidos, que atrapalham até uma imagem corporal, pois o que é eu, próximo à uma multidão que grita grita grita.
Esta relação do eu com o mundo é matizada por Divanize pelo excelente esmiuçar da sua linguagem em colorir até com uma ousada reformulação linguística, o aspecto da fala – escrita, expelimos salivas, mas linguagem com semiologias imagéticas com o entorno. Este nascer para fora, é trabalhada pela autora com um cuidado em drapejar a tapeçaria humana, seus afetos, seus cuidados, em focar no humano demasiado, demasiado, enquanto o desejo que somos.
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