Fernando Andrade entrevista a escritora Tátia Rangel

Tátia Rangel livro patuá - Fernando Andrade entrevista a escritora Tátia Rangel
 
 
 

Fernando Andrade –  Como foi escrever Corpo sem órgãos ( 7 letras) sendo um trabalho acadêmico, ( uma dissertação?) sem os nós firmes das relações com as referências textuais, citações, notas de rodapé; a conversa com os professores. O trabalho de escuta que é seu livro não precisa ter os sinais tão marcados da sua leitura\escrita, durante o curso. A imagem do rio que flui me vem à mente. Fale disso.

Tátia Rangel – Primeiramente, obrigada pelo convite para essa troca, Fernando. Essa obra intitulada “corpo sem órgãos – experimentações em devir” é uma composição entre muitos. Minha orientadora, Cecilia Coimbra, os professores que participaram do processo, os livros, os grupos de estudos, as ruas, os cafés … Uma escrita que se afirma na experimentação, escapa dos contornos que tentamos nomear, causa estranhamentos, provoca.

O texto “como criar para si um corpo sem órgãos” do Gilles Deleuze e Felix Guattari foi um território escolhido, e a experimentação da escrita um movimento em torno dos estudos que foram se desdobrando. Hoje percebo que essa pesquisa se compôs como uma diluição dos conceitos numa escrita livre, que se encontrou na poética, nas imagens, na estética. A imagem do rio que você menciona, é ótima – fluxos em movimentos. Não temos garantia de onde nos levarão, mas não nos deixarão fixados no mesmo lugar.

 

Fernando Andrade – Há uma narratividade, não sei se diria fabular, embora acho que exista uma certo arquétipo de histórias orientais para mestres e discípulos? Ou uma quebra do modelo? E tua escrita é muito musical e circular, ela tem afinações que me lembram partituras musicais. A canção é um formato que vem da trova medieval e das baladas. Ouvi Hilda às vezes rs Com foi que pensou na estética do livro, para que quebrasse fronteiras de gêneros, não consigo dar rótulos ao seu livro, ainda bem.

Tátia Rangel – Uma escrita que se permite livre da coerência, então, não há busca de continuação ou mesmo uma história que se resuma ao final da leitura, não há tentativa de adequação aos modelos. Talvez um convite para uma leitura-experimentação?!? Gosto sempre de perguntar ao leitor – o que sentiu? Quais imagens? Aromas? Sons? – e assim, desdobramentos surgem a partir da leitura, o leitor é convidado a compor com o texto. A estética se deu durante o processo da escrita, um desenhar de letras, ritmos, até chegar aos desenhos.

Interessante você falar da musicalidade, todos os textos foram lidos em voz alta nos grupos de estudos, com amigos, com a Cecilia… Assim como há musicalidade, há muitas imagens. Posso ousar dizer que são textos abertos, se permitem ir e vir em diferentes intensidades, em múltiplos estados afetivos.

 

Fernando Andrade –  Você fala muito da moral como uma forma de confrontar o corpo\organismo que vê tudo num certo núcleo interligado e muito funcional. Mais a escola é um ambiente onde há uma moral, não sei cristã, muitos colégios são religiosos. A palavra normatizar para mim funciona de forma um pouco paradoxal, pois, o Ser é norma? Estabelecemos algum padrão no que chama-se: vida, mas não sabemos o que acontece dentro do corpo, ele nos é lacrado.  Fale disso.

Tátia Rangel – Que corpo lacrado é esse?!? Nossa provocação esbarra nessas questões, pois se nos reduzimos aos órgãos enquanto fígado, rim, coração, etc… estamos fadados a “ser” o que a ciência, a medicina, etc., nos diz que somos. Mas, e nossas intensidades? e o singular de nossas sensações? Nos aproximamos da ética apresentada por Espinosa, questionamos a moral junto com Nietzsche, e com tudo isso, voltamos para nós: o que meus olhos olham / aonde meus pés pisam / o que minha barriga sente / o que meus pés cheiram … (pagina 23).

 

Fernando Andrade – Adorei a ideia do roubo. Citar é homenagear, referencializar, já roubo já metaforiza o quê?

Tátia Rangel – Sem metáforas, são encontros. Deleuze diz que encontrar é achar, é capturar, é roubar. E como não há método para isso, e meus encontros se deram na experimentação, são roubos que delicadamente a “bu(R)la” (pagina 17 e 18) deixa pistas para o leitor.

 

Fernando Andrade –  Em época de pandemia o que você pretende fazer com seu livro? 

Tátia Rangel – Até o momento convidei poucas pessoas para pequenos encontros, como investimento no contato, na troca de olhares, na dedicatória. Em breve farei lançamentos pelas redes sociais. O desejo é que o livro tenha vida longa, que chegue aos leitores, que possa criar seu próprio caminho pelo mundo.

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This Article Has 6 Comments
  1. Halina Grynberg Reply

    A leitura do texto é hipnotizante. As intensidades que promove criam indagações: do que se trata o ato de viver,afinal?

  2. Halina Grynberg Reply

    Vertiginoso. Hipnotico. Veemente.

  3. CRISTIE DE MORAES CAMPELLO Reply

    Maravilhoso corpo sem órgãos. Livro poético consistente trágico. Tem uma alegria e uma leveza que percorre as narrativas. Parabéns querida Tatia. Bjs Cristie.

  4. Tereza Cristina Reply

    Parabéns Tátia querida
    Estou aguardando meus exemplares !!!

  5. Tereza Cristina Reply

    Parabéns Tátia querida
    Estou aguardando meus exemplares !!!

  6. Ronie Ribeiro Guimarães Reply

    Parabéns Tátia! Mto legal acompanhar parte do processo de construção do texto!! Me inspira bastante!! O que vc pontua na entrevista, pra mim, é mto importante de guardar e ressoar: “sem metáforas, são encontros”!!! 🙂

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