Fernando Andrade entrevista o escritor Mike Sullivan

MIKE SULLIVAN O SENTIDO E O FIM - Fernando Andrade entrevista o escritor Mike Sullivan
 
 
 
 

FERNANDO – A morte é quase um novelo que faz o desenho completo em todos os contos escritos por você. Como você alinhavou o tema em todas as narrativas?

MIKE – A morte é um tema recorrente naquilo que escrevo, mas inicialmente o objetivo não era o de publicar uma antologia de contos abordando essa temática. O que ocorreu foi que, depois de vários contos escritos, percebi que eles poderiam ser reunidos num único livro, pois dialogavam muito entre si.

 

FERNANDO  No conto “A um passo da imortalidade”, um dos meus preferidos, os personagens parecem saídos de um quadro com matizes bem interessantes, onde a dialética do “bem e do mal” parece não ser tão maniqueísta, pois os personagens como a irmã Catarina e o médico trazem suas ambiguidades e ambivalências. Ali parece haver uma relação de força com o menino no meio e uma dicotomia entre religião e ciência. Fale disso.

MIKE – A princípio esses dois personagens estão em lados opostos, pois trata-se de ciência e religião, mas veja que ambos, o médico e a freira, apesar de tudo, têm em comum o desejo da imortalidade. É um sonho antigo da humanidade e, ao mesmo tempo, inalcançável. Os religiosos acreditam em Deus, mas têm medo de morrer. E a morte é vista pelos médicos como fracasso, pois estudam e são formados para curar e salvar vidas. Então, é natural que os dois, ao se verem diante de uma criança que não envelhece nunca, tenham a esperança de que podem, sim, estar diante de algo revolucionário e que pode mudar os rumos da humanidade para sempre.

 

FERNANDO – A sexualidade dos personagens é pintada por você de forma aguda e autêntica. E a forma que o leitor sente, achei bem interessante, pois a revelação no texto vem de forma sempre contextual, com o entorno, nunca é solitária. Como o médico que nutre o afeto pelo homem já desenganado. São imagens fortes que não carregam uma relação literal com desejo. Como foi este tracejado nos contos?

MIKE – Posso dizer que a sexualidade surge muito naturalmente nos meus textos. Quem define o tom e a maneira como o sexo é abordado em meus livros é o personagem, pois assim evito que essa questão venha à tona de maneira gratuita. Não tenho nenhum pudor ao escrever ou falar sobre sexo, mas gosto sempre de relacioná-lo à história que pretendo contar e não apenas com o objetivo de chocar ou escandalizar o leitor.

 

FERNANDO – Quanto é importante para você que os diálogos tomem forma de uma coesão dentro da narrativa, pois eles além de agregar sentidos à ação, parecem dramaturgicamente visuais e conectivos. Fale disso.

Confesso que escrever diálogos é muito difícil. Primeiro porque não podem ser artificiais, forçados. E segundo porque se o escritor não tomar cuidado fica parecendo que os diálogos são apenas ferramentas para inserir uma informação ao texto. É claro que, muitas vezes, por meio do diálogo o leitor tem uma percepção maior da história, mas os personagens têm que parecer que estão numa conversa e não em uma entrevista, onde um pergunta uma coisa e o outro responde. Por isso eu leio em voz alta os diálogos e reescrevo muito.

 

FERNANDO – Qual é a importância da leitura para você como um escritor?

Creio que muitos já responderam dessa maneira, mas leitura é fundamental para nós escritores. É importante conhecer diversas vozes narrativas, ler de tudo e não apenas aquilo que lhe agrada ou que seja semelhante com a sua escrita. Clássicos e contemporâneos, livros bons e ruins, jornais, revistas, sites de notícias, poesia, romances, contos, crônicas. Outro ponto essencial é exercitar a leitura de aprendiz, ou seja, não somente ler para se entreter ou se deliciar com uma história, mas ler para aprender o que deve fazer e aquilo que é imprescindível evitar na hora de escrever.

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