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por Fernando Andrade | escritor e crítico literário
Fico imaginando o ser Drácula após o advento da psicanálise, como todo o processo de escuta de uma dor ou luto por qual passa um homem que perde seu amor. Claro que a história do vampiro remonta há tempos atrás onde a relação entre a ação e reação mediada pela reflexão. Muitas vezes era resolvida por uma pulsão de morte extremamente violenta. Mesmo a religião não amainou esta latência humana por vingança, o ódio que se reitera, por um mecanismo de perda insuportável.
Mas me pergunto se o mito de algo não responde a essas pulsões estranhas sobre alguma interdição onde não se fala, o que não se pode falar abertamente à alguém. E este mito de uma história como Drácula obedece às lacunas que uma própria historiografia não suprimi, pois nela há muitas questões, que entram sobre como um ser pode ter sua humanidade transmutada para dom sobrenatural, como passar por cima da morte ser alguém cuja mortalidade é um peso sobre o corpo que deveria ser falível. E num livro sobre este ser qual seria uma abordagem que enfoca toda dialética do enredo? Pois sim, neste mito além do maniqueísmo entre o bem e o mal, há um estudo profundo da história do Leste europeu; sua influência muçulmana, sua vizinhança com a Turquia, e os ciganos.
Claro que Drácula estabelece um lugar de origem numa terra onde invasões, etnias e nacionalidades operam através da religião, mas também, de certa noção de clã familiar, o primeiro núcleo de uma ordem patriarcal. Por isso é muito interessante perceber que este romance sobre Drácula do escritor Fauno Mendonça tenha como ponto de partida a Inglaterra e a Irlanda, lugares onde a relação entre o protestantismo e o catolicismo ganham ares de beligerância. E que também seja terra do rock, de uma certa rebeldia sobre odes de comportamentos.
É através do procurador irlândes que mora na Inglaterra que o ser noturno o incumbe de promover certos negócios na ilha. Drácula o convida para ir à seu castelo, para adiantar essas papeladas burocráticas. Como toda notícia sobre este ser corre aos quatro ventos, muitos falam para Connor Blake não ir ou tomar extrema precaução. Ele entra em contato com a fábrica da luz , uma organização cristã que antagoniza estes poderes ímpios do mal.
Aqui o autor estabelece muitas relações como colocar-se no lugar do outro. Como sair de um estado latente ou de uma pulsão monotemática para entender as causas do mundo em sua multiplicidade de fatores e explicações. Amparado em sólida pesquisa histórica, Fauno não antagoniza lados, apenas mostra que uma vida ou um grupo de pessoas obedecem às estirpes mitológicas de comportamento por que na maioria das vezes não é doutrinário também, mas sim, constitutivo de uma herança cultural.
Quando Connor vai à Transilvânia e lá encontra Drácula, claro que amparado pela fábrica da luz da cidade, vemos que o medo, até seu, leitor do vampiro, parece atenuar pela escuta de seu diálogo com o procurador. Aquela célebre frase vou mostrar que minhas razões criam, na insuspeita, um traço de confiança, ou de cuidado com atenção. São mergulhos na alma humana que naquela época, a psicanálise ainda não surtia efeito.
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