Fernando Andrade entrevista a escritora Priscila Gontijo sobre o romance “O som dos anéis de Saturno”

PRISCILA GONTIJO 7 LETRAS - Fernando Andrade entrevista a escritora Priscila Gontijo sobre o romance “O som dos anéis de Saturno”

 
 
 
 
 

FERNANDO – Que tipo de relação seu livro se faz com o social, onde o ser se entorna com ele numa simbiose recíproca. E antes de ser social é preciso, nomear, trazer o mundo para uma titulação entre o self e o mundo. Fale disso.

PRISCILA – Fernando, confesso que não sei se compreendi bem a sua pergunta, mas vou tentar responder na medida do possível, pois quando escrevo não me prendo a questões dessa natureza, me preocupo mais com a linguagem, com o ritmo, com a criação das personagens e com a voz do narrador, no caso de “O som dos anéis de Saturno”, com as vozes. O romance se relaciona com o social no sentido que o tema da insânia precisa ser abordado. Quem sofre de algum transtorno mental é isolado e marginalizado, vivendo na mais árida solidão. A solidão é um dos reflexos do preconceito em relação a essas pessoas, mas também é interna, uma desconfiança irremediável do mundo, do outro. Acho que o livro pode – quem sabe – jogar luz no tema para criar um diálogo mais aberto com a sociedade.

FERNANDO –  Como pensou as imagens sobre o real da narradora; a pantera, as éguas iberas. Não são corpos surreais, parecem mais um jogo alegórico com uma forma de animalidade, rebatando\ repercutindo o inconsciente da personagem. Como foi estabelecer estas relações?

PRISCILA –  Não, o livro não pretende esse jogo alegórico. Se trata de algo bem real, com corpos reais. Mas esse “real” da personagem emerge de sua lógica interna, é preciso uma escuta afiada. Acho até que a violência do romance reside justamente na condição cruamente realista dessas mulheres que fugiram ao padrão social estabelecido de sua época e, por isso, foram internadas em hospícios.

FERNANDO –  Até que ponto a voz literária discutida em oficinas literárias, graduações de letras, pode se mimetizar ou não com a esquizofrenia\ loucura? Na sua intencionalidade estética de explodir normas narrativas e literárias. Com isso se dá no seu livro?

PRISCILA  – Quando escrevo não penso em explodir com formas estéticas, penso sim em não seguir manuais, nenhum tipo de convenção ou fórmula, mas estar atenta ao rigor da palavra. Busco me provocar como autora, procurar caminhos desconhecidos e ter encontros improváveis. Escrever é um risco enorme e não possui nenhuma garantia. É um salto no mais escuro de mim mesma. Não tem graduação em Letras que me ampare ou resolva esse impasse durante o ato de criação, é preciso se reconciliar e amar o caos. Dançar com seus ritmos.

FERNANDO – Que palcos e máscaras seu romance estabelece com o jogo teatral? Romance e palco parecem fazer conjunções muito íntimas, pois o tamanho, e a explosão da palavra poética é tão intensa em ambos. Fale disso.

PRISCILA – O “Som dos anéis de Saturno” compõe junto com “Peixe cego”, meu primeiro romance, e com o próximo que já estou desenvolvendo, a “trilogia da insânia”. O tema me interessa no que há de mais paradoxal: ser normal é uma espécie de loucura? Se o fato de se adequar às normais sociais e aos padrões de comportamento estabelecidos é a normalidade almejada, então somos todos insanos.
Problematizar essa fronteira entre sanidade e insanidade me inspira da perspectiva formal, tanto nos meus textos dramáticos quanto nos romances, para a composição da estrutura. A narradora de “O som dos anéis de Saturno” é de uma extrema lucidez, como toda criança, mas ao enfrentar a transição para a adolescência ocorre uma cisão. Ao longo do seu trajeto o leitor vai se deparar com o choque violento que é crescer, que é passar de uma margem à outra. Alguns se afogam nessa travessia, outros alcançam a outra margem quase mortos e há ainda os que nem se molham.

FERNANDO – Como este seu romance estabelece pontes com teatro de Artaud? Quais o pontos mais sensíveis da estética do autor, nele?

PRISCILA – Esses três volumes abordam a solidão de personagens que não se adaptam às normas sociais, personagens à margem, à beira. Essa beira é tanto da perspectiva da construção de personagem, quanto à beira da língua, da linguagem literária. Então, talvez, com alguma sorte, o romance dialogue com a obra de Artaud nessa dimensão, a do sussurro poético, da beira, da vertigem das palavras.

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