por Fernando Andrade | escritor e crítico de literatura
Meu tio que já morreu, seresteiro, dizia que o violão tocado por mãos artesãs tem o dom de fazer conversas. Junte uma roda de ouvintes em torno do tocador\ prosador que ali urdirá um clima totalmente de intimidade entre som, ritmo, toada e melodia. Por que o ouvinte também participa do baile? pois interage com o menestrel. E o menestrel é aquele que sai pelas ruas contando causos, parte inseparável da trilha melódica do cantautor.
Esta teia íntima entre o que conta e narra e quem escuta como peça ativa do coletivo que é fiar histórias, vi completamente, no novo livro de crônicas, A teoria da felicidade, da Katia Borges pela editora Patuá. Como se tirasse histórias do balaio, onde podemos, também, dizer do tacho, onde se faz desde rapadura, até o famoso arroz doce. São enredos que brincam de linguagem. Uma linguagem cultural, facetada na raiz do mito, de quem fabula tessituras em recortar e juntar palavras.
Kátia, torna tudo prosal, mas não prosaico, porque sua escrita está muito imbricada com o fazer poético, do raciocínio da linguagem em frases, em orações, mas também, no arquétipo de uma fabulação onde os fatos, as relações, entre seres, amigos, convivas, se faz pelo convívio entre feiticeiros, alquimistas da palavra não normativa-cotidiana.
São fios que puxam conversas dos ouvintes da arte, da artesã da imagem, conversam com tropos melódicos, numa miscigenação híbrida entre gêneros e estilos. Falar a crônica através do fato, de um acontecimento, também é relevante e faz parte do jogo. Mas a autora faz do gênero, uma máquina voadora de circular lembranças, sensações e afetos que puxam ao leitor um entoar secreto entre o pescador de ilusões e o leitor (não passivo), que ouve na volta da fogueira o crepitar dos sinais de fogo no silêncio.
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