Fernando Andrade | crítico literário e escritor
O tremor desorganiza a gestão dos espaços. Tira o chão dos pés para o alocar no espaço do céu, do voo muito além do cimento da organicidade das coisas. O tremor é a dança que põe o corpo não só em movimento, mas também, em rebeldia com normas sociais. Ele parte da constituição do ser, pois obedece as desrazões da ordem e governo. A norma quando não é inclusa se forma no quê? E parte da literatura orgânica tem estudado a latência do corpo desestruturante, aquela que reage à violência dos nomes, a catequese dos ritos.
Por aí vai o novo romance do Santana Filho, o belo, Antônia, pela editora Reformatório. Seria injusto dizer que ele é um romance de formação de um jovem. Pois não existem modelos para uma projeção do eu perante o mundo\entorno. Há sim, o caos que dança nos movimentos de um vinil, que emblematiza o culto à arte e seus objetos de desejo, com um bom filme, uma peça que fique no coração de Brando, mas também seria cruel dizer que tais relíquias são fetiches de uma solidão, marcada pelo apego à fruição de tais sintomas do coração. Antônia não quer achar seu lugar no mundo, ela apenas faz a transcrição do corpo para chaves outras que sinalizam a sua ambiguidade sexual.
Santana vai dilapidando estes avanços sedimentares destes dois personagens, em busca de uma identidade multifacetada, que retrata caminhos que o teatro explode quando joga o corpo na gira do palco. O apego aos gatos, um mecanismo individualista de afeto? Não, apenas a espontaneidade de não controle de outrem, a liberdade de estar sem a cola da impulsividade do apego. O escritor vai criando espaços de encontro, destes dois, como uma valsa, um baile de Scolla, onde o próprio empuxo do texto, sedutor, magnético, vai deslizando sincronias numa amizade em todos os níveis policromáticos.
Eletrizante do começo ao fim. O melhor livro que li nos últimos tempos.