Romance ‘Tocaia do norte’ revitaliza a história, nos meandros da ficção | por Fernando Andrade

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Fernando Andrade | crítico literário e escritor

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O lastro do homem não é sua terra que ele se fecha em quatros cercas numa área rodeada de arame farpado. Onde ele constrói sua casa, coloca armas em locais estratégicos para o uso. O lastro do homem não é sua família, sim, um mimetismo para um sombreado, conservador, onde outra coisa mais novelante se infiltra por entre os sonhos e devaneios do homem brasileiro.

Trata-se do vil metal, aqui tanto o próprio ouro com suas luminosidades como *a grana, que se ergue e destrói coisas belas. E aqui não adianta apelar para um sentimento de posse, um ecrã sobre ancestralidades. Este sentimento de posse que substitui afetos e raízes que vão muito além do ligar de onde se vem e para onde se vai, enterrado.

Estas faces sobre como se estabelecem relações entre gentes que vivem sobre o mesmo teto\céu é que tem como ponto ou lastro firme, o novo romance da escritora Sandra Godinho, chamado Tocaia do norte, editora Penalux. A autora arquiteta engenhosamente uma grande viagem epifânica ao centro da floresta da Amazônia ou sua selva. Mas há duas viagens, uma, mais humana, onde as pulsões de morte são testadas, entre o “civilizado”, e os índios, que estão querendo manter sua cultura numa terra que já eram deles há séculos.

Sandra desce ao inferno da alma humana, colorindo de mais pulsante a própria fauna do lugar, uma linguagem derivativa, de todas as matizes onde a relação entre local, pertencimento,  cultura, quando o estrangeiro é o próprio morador mais antigo. Para isso, cria personagens, inesquecíveis, como o padre italiano, Chiarelli, que busca algum tipo de redenção paterna sobre a força da apaziguamento. Sua ida à uma região onde vivem uma tribo indígena ameaçada, pelos brancos, não é so uma prática de preservar a cultura dos índios, mas também uma viagem de volta à memória da infância, onde os limites sobre a alma e seu norteamento gestam porvires sobre identidade e pertencimento.

A autora é muito hábil em deslocar fatos com um novo olhar sobre a história. Para isso tece toda uma cosmologia de um menino, João de Deus, que mora na beira do rio, com uma família com poucos recursos. Um narrador que desce e aprofunda sua visão de mundo, com singularidade da diferença que o torna periférico com relação à própria masculinidade amazônica. O encontro com o padre e sua caminhada na expedição do missionário para diplomatizar conflitos entre extrativistas e índios, mudará sua formação humanista.

Este olhar de fora, para depois adentrar um grupo social, que Sandra fundirá com uma intensa malha colorida de uma terra que se descultura de traços, melodias, poemas, em troca de uma herança positivista de ordem e progresso.

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