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O âmago das coisas, primeiro livro de Rafael de Souza, (Ed. Penalux, 2021) versa por caminhos autobiográficos para com isso fazer uma crítica do cotidiano, ao mesmo tempo que traça um parâmetro entre o passado e o futuro para assim definir o nosso agora.
A poesia do autor é um dialogo consigo mesmo, forma uma espécie de fluxo de consciência, onde o lírico se entrelaça com uma realidade vista por olhos atentos, que se maravilham e se desesperam ante a brutalidade do tempo.
Essa ciranda espaço/tempo se faz presente nas imagens poéticas criadas por Rafael de Souza, e revelam a intimidade do autor ao mesmo passo que pintam um quadro reflexivo sobre a subjetividade das coisas. Nada se revela além da pluralidade do meio, seja a perda de um objeto pessoal, o tempo das frutas, o vai e vem das estradas, o clima quente do planalto central. Do nada, vem o tudo poético.
Em Brasília, um dia, temos o cotidiano de uma cidade que nunca dorme tranquila, seja por seu dia a dia, seja por sua conotação política. “Entre o passado/e o presente/há o agora,/e esta hora/não demora/a desmanchar/o ar quente/vigente lá fora.//Corre o tempo,/corre o motoqueiro,/o taxista foge,/azafamado,/com fome/de dinheiro.”
Brasília como cidade, de pessoas simples, invisíveis da classe dominante, tão invisíveis quanto toda a população para o governo. O essencial (povo), é invisível ao Estado. E os invisíveis estão acostumados a sê-los. O poeta lhes dá corpo e significado, mas não voz, como se existir fosse trivial. O âmago da existência, uma condição de inexistência.
Em Travessia, dedicado a avó Zuza, o autor recupera imagens de uma vida dura, dedicada a sobrevivência. “A enxada que lhe pesava/ao espinhaço era de natureza/aproximada à certeza/de que da terra infértil/se colheria o feijão,/o milho e derivados/do molhado chão.”
O retrato de uma vida de esperanças, diante das intempéries do clima, da incerteza do amanhã, é o retrato de muitos brasileiros do ontem e do hoje, que lutam pelo direito de sobreviver. Num país em que a fome voltou a ser uma realidade, a homenagem a vó Zuza é um lamento por uma nação que perdeu a glória e se faz terreno fértil para o desespero.
O poema me fez lembrar de Augusto dos Anjos, “Ninguém doma o coração de um poeta.” O coração de Rafael está nessa poesia, assim como em tantas outras de seu livro de estreia. O âmago das coisas é uma obra a ser descoberta.
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