Fernando Andrade | jornalista, escritor e crítico de literatura
Vendar os olhos e sair à cata de pessoas próximas que se escondem de você. A escolha que recai sobre aquele que não vê o entorno, parece uma imagem, por mais paradoxal que se faça, aquele vedado, o desejo de existir pela afetividade do outro, em estar junto e próximo. Esta brincadeira infantil, e muitos já o fizeram, na sua infância, é uma relação alegórica de um romance de uma mulher maltratada pela miséria social, do sertão, mas, principalmente pela fundura do poço do arquétipo cultural brasileiro, onde machismo, violência, se misturam na formação social das famílias pobres pelo rincões do país.
Maria Divina de Oliveira, cresce numa família onde o pai espera um varão para herdar certa face patriarcal, mão de obra para o veio da família. Mas na família dele, nascem mulheres, e ele desgostoso, cria estruturas de recalque e raiva pela falta de “força” dos laços masculinos. Maria trabalha desde cedo, na roça, mas o afeto do pai que ela tanto deseja, vem em formato de coça, de violência. Um homem perto dali, a estupra, e a família cai num tipo de consentimento mudo e atroz sobre o crime do homem.
O primeiro trauma, na mente de Maria, desenvolverá nela uma força atávica por um elo de sobrevivência no contexto agressivo do sertão. Depois de fazer a maioridade, ela já com filhos, sai para o mundo em busca de uma identidade que lhe dê um pouco de alteridade. Mas a dureza da estrada, e da viagem de Maria, pelas regiões do país só lhe traz mais dor, e angústia, em perceber que um mulher negra e pobre, necessita cozinhar uma pedra para amansar a vida que lhe afunda mais em um poço de água para saciá-la de afeto.
Gracia numa linguagem mimetizada pela poética da falta, desenvolve neste belo romance, Cabra cega, pela editora Patuá, uma mulher desvendada de toda liberdade de auto satisfação e bem estar, por procurar apenas a alegria de seus filhos, que quando viajam começam a se perder pela vielas das ruas como São Paulo. A autora analisa uma masculinidade tóxica, onde o homem quase, paranóico, rivaliza a mulher em ambivalências de um narcisismo que parece muito cultural de um tipo de padrão cultural ligado à política, ou a falta dela, um espécie de desfazimento das relações sociais pela falta de ações sociais e políticas na teias mais desfavorecidas da população.
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