FERNANDO ANDRADE: Seus poemas possuem um movimento quase como uma dança que eu diria que há uma musicalidade à favor da linguagem e suas ondulações semânticas para que ela se movimente como um teatro de significados que nunca são fixos. Fale um pouco sobre a questão.
Acredito que a musicalidade diz respeito não apenas à parte da sonoridade das palavras, mas também e principalmente a esta espécie de dança que se pode fazer com os significantes em vista de possíveis significados. Significados estes que só se colocam no encontro com o leitor ativo. De todo o modo, acredito que há uma espécie de dança significante permanente, por meio de metáfora e metonímia. Quer dizer, o deslizamento e a substituição dos significantes… Este jogo e estes movimentos podem ser vistos como uma dança, que alude a alguma musicalidade. A escrita da poesia para mim surge um pouco como uma possibilidade de novos movimentos, que por vezes só acontecem com o intermédio da palavra escrita. Meu primeiro encontro de apaixonamento com a linguagem foi de fato a musica. Não conheço de teoria musical, mas entendo que existe um movimento parecido com as notas em música também. No mais, as letras das canções sempre foram importantes para mim, como elas jogam dentro e fora do ritmo proposto pela parte instrumental, assim também as palavras em poesia jogam com o espaço e a estrutura do próprio poema.
FERNANDO ANDRADE: Você trabalha muito bem suas referências sobre a arte de escrever. Sua atenção sobre a leitura é também uma arte de captar gostos, estéticas, sobre a poética que é sempre uma rede de pesca das capturas. Como se dá esta artesania de costuras na sua escrita?
Tenho minhas referências, algumas muito pessoais. Não sou, contudo, uma erudita da literatura ou da poesia. Mas tenho minhas referências, algumas já bastante “assimiladas” pelo público, outras um pouco menos. Acredito que no ato de escrever a gente sempre se depara com as referências que aparecem aqui e ali. Não tenho hoje muita inibição ao chamá-los a minha conversa. Seja no sentido do conteúdo, ou mote, seja no ritmo ou no próprio diálogo com aquilo que já foi dito. Como reverência e também irreverência. No sentido de que toda a escrita é um dialogo com história da escrita e os que antes foram. Sim, acho que a poética é de fato uma rede de pesca, no entanto, me sinto mais capturada de que aquele que pesca e captura. Sou pescada pela via do que me chama a ver, a ler e a sentir, daí escrevo: porque algo que li ou vi me chama à escrita.
FERNANDO ANDRADE: Interessante esta relação entre a escrita e o ato de fumar. Entre a caneta e o cigarro. Bitucas seriam o que na arte de escrever?
Enquanto metáfora para o vício que não cede, as bitucas poderiam ser tudo aquilo que ainda resta para ser escrito, e inscrito, pela via do desejo. Que segundo a psicanálise, mobiliza a demanda, e que não se esgota nunca! rs
No entanto, também, acho que as bitucas são o limite do que pode ser escrito, que resiste a vir ao papel. Mas que testemunham algo que fora gesto ou desejo ou sentir. Ou seja aquilo que resiste e insiste e que “os peixes não evitam e que não está nos livros”. Como os Resíduos de Drummond?
FERNANDO ANDRADE: Sentidos puxam outros sentidos nos seus poemas, como uma certa correnteza da língua. Esta relação da palavra em buscar a próxima numa relação dialógica, como se dá no seu trabalho poético?
Tendo a escrever sem a priori. Como disse, algo que penso, ou li ou vi me chama a escrever. E a partir daí, na maioria das vezes, deixo que as palavras se combinem da maneira que elas me aparecem. Algumas vezes devo parar para procurar por uma palavra pela via da metonímia, ou seja, do deslizamento sobretudo em relação à sonoridade da palavra, mas também gosto de quebrar o deslizamento pela via da metáfora. Gosto de inventar palavras também, quando me veio europopéia eu gostei (tem Pompéia, Europa, pop e epopéia). Enfim, gosto do jogo de palavras! Gosto que a palavra tenha essa qualidade de significar sempre em relação à outra, preciso trabalhar mais tudo isso.
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