Marcelo Frota | escritor e crítico de literatura
O olho esquerdo da lua, livro de estreia da escritora potiguar Jade Luísa (Ed. Penalux, 2021) traz o som suave de um machado de ferro estilhaçando ossos. A ferocidade dos versos, ora curtos/diretos/cortantes, amalgamam-se com a leveza de versos mais longos, que se entrelaçam e se completam em uma espécie de narrativa fechada, uma história sem começo ou fim, apenas meio (lírico, erótico, sagrado, mundano), e que remete as vivências que podem ser cotidianas, mas que são narradas com a estranheza de uma obra surrealista de Dali ou Miró.
A leitura da poesia de Jade Luísa é um carrossel frenético de constante surpresa e estranhamento, e são estes elementos que tornam sua poesia tão instigantes. Os versos do poema Confesso devanear-me nos seus dentes possuem um tênue entrelaçar entre
romantismo e sensualidade: “Agora eu falo pelas coxas./Sigo contando histórias sobre como estou/cega pela luz da sua garganta/surda pelo som do seu tórax/muda pelo eco das suas pupilas/inerte pela lava que escorre das minhas coxas falantes/entoando elegias por detrás do seu pescoço,/como quem enrola a língua ao sussurrar seu nome./Baixinho, para que só o desejo possa ouvir”.
Interpreto, ousadamente, esses versos como confissões silenciosas, considerações inebriadas nos segundos e minutos pós-sexo, no êxtase dos corpos e dos sentidos em que carne e consciência se misturam à respiração acelerada e ao suor corpóreo, ilustrando o delírio ao qual os amantes estão imersos. Aliás, impossível não ler esta e outras poesias da autora, em um estado bruto de celeridade, como se lê Kerouac ou Woolf. A intensidade dos versos cobra essa entrega.
A sensualidade de Confesso devanear-me nos seus dentes, assim como a de outros poemas, é substituída pelas sombras em Vigília: “Por ora, naufrago víbora/vacilo entre o cigarro e o cio./Pimenta-medo-de-moça chupa minhas cutículas/Há meses não faço as unhas, apenas mordo a pele/ entre um calafrio e outro (…)”.
A vastidão da dor e da solidão, da travessia por terrenos tortuosos retratam os flagelos do abandono entre paredes que não veem, nem sentem cheiros. Existe uma espécie de desistência (temporária?), demonstrada nas imagens poéticas “por ora, naufrago” ou “Há meses não faço as unhas”, como se os dias, noites e semanas, fossem nada além de uma longa sequência em que o tempo nada significa, além de um amontoado de horas mortas.
A estranheza ora devastadora, ora encantadora das imagens poéticas tecidas por Jade Luísa, assim como a sensação de que algo surpreendente e completamente fora do eixo pode surgir na página seguinte é o que move a leitura de O olho esquerdo da lua, e a faz tão fascinante e instigante. Uma ótima estreia.
Marcelo Frota | escritor e crítico de literatura
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