Entrevista com a escritora Adriana Vieira Lomar

Adriana Vieira Lomar Ambiguidades - Entrevista com a escritora Adriana Vieira Lomar

 
 
 
 


FERNANDO ANDRADE:  Tive uma ótima impressão de que seus temas mais caros continuam nos contos depois de ter lido seu romance. E por mais que o conto seja breve, você, habilmente, consegue desenvolvê-los ali em contos de duas ou três páginas. Como é tecer o seu foco temático no romance e na narrativa breve?

ADRIANA VIEIRA LOMAR: Nos contos tive uma liberdade maior em trabalhar com situações diversas. Os dois livros foram elaborados concomitantemente, com exceção do conto “meus cabelos brancos” elaborado antes da escrita do romance, nele o personagem pede a velhice à escritora. A premissa desse conto está em Aldeia dos mortos: a tentativa da narradora em evitar a morte do seu tio Arthur. Os demais contos dialogam com o romance no viés do fantástico, mas os temas são díspares.

FERNANDO ANDRADE: Há uma certa inspiração sobrenatural ou fantástica em algumas narrativas, mas elas sempre estão juntas de certo realismo. Como foi este trabalho de mexer com estes estilos?

ADRIANA VIEIRA LOMAR: Trago o fantástico para as narrativas por não o desvincular da realidade. Não elaboro, simplesmente aparece. Talvez por ter ouvido falar de histórias sobrenaturais desde a infância e acreditar que o invisível é cheio de vida e mistério. O realismo mágico simplesmente aparece e faz parte da realidade da mesma forma que o chamado real enche os noticiários diariamente.

FERNANDO ANDRADE: Os espaços lacunares tão bem resolvidos por você, deixam os contos com as ambiguidades que o leitor, aquele esperto, não se deve resolver, colocando respostas enfáticas na recepção. Como foi trabalhar estas ambiguidades nos textos?

ADRIANA VIEIRA LOMAR: Tive necessidade de explorar o viés das ambiguidades, dos caminhos controversos de cada um, hipocrisias, contradições e segredos. Quando acontece um fato sempre há várias versões, diz-se no ponto de vista jurídico que a prova testemunhal é a “prostituta das provas”. Talvez pela capacidade do ser humano em acreditar naquilo que não se viu direito, mas se ter certeza daquilo que achou que viu.
Essas lacunas estão presentes em nós a todo instante e por incrível que possa parecer é o que traz mais viço às ciências humanas. O que seria de nós se o pensamento não fosse fragmentário? Certamente estaríamos repetindo mantras sem interpretá-los, o que já acontece com muitas pessoas que não buscam novos olhares e perspectivas.
Há um conto, o da enfermeira cansada e infeliz que descumpre os protocolos pelo excesso de trabalho. Propositalmente questiono se a perversidade estaria presente se a enfermeira não estivesse com síndrome de Burnout sem emitir juízos maniqueístas tão presentes em nossa cultura.
As lacunas são necessárias para que o leitor embarque nos signos e traduza o que viu em significados. Como autora é um prazer enorme sentir que o texto se libertou, atravessou novas fronteiras e o leitor não somente leu como também interpretou de forma diferente daquilo que se escreveu. O leitor faz parte do processo literário. Isso é mágico e só existe por conta dessas lacunas das quais prefiro chamar de respiros poéticos. Que bom sentir o texto voar, atravessar fronteiras inimagináveis e ocupar cabeceiras de quartos desconhecidos.

FERNANDO ANDRADE: Você tem todo o cuidado com a carpintaria das palavras, ou da linguagem, que vai colorir o texto. É um trabalho cuidadoso e primoroso perante o texto e sua estética, onde parece que nada está fora do lugar. Comente.

ADRIANA VIEIRA LOMAR:  a carpintaria vem depois do mergulho no inconsciente. Primeiro escrevo sem vírgulas, depois leio em voz alta e começo a racionalizar o texto. Mas procuro sempre a escrita livre e fogosa, que vem da alma e da necessidade. Meio passional, ou escrevo ou morro, ou escrevo ou me deprimo. Passada a paixão, vou ao encontro do texto e da carpintaria. Qual palavra se encaixa melhor? Drummond tão bem lembrou: “(..)preciso tirar as palavras do forno e aguardar que esfriem”.
Para publicar é fundamental reler e esgaravatar o texto em dias alternados, porque dependendo do dia o texto é sentido de uma forma e ainda pode existir excessos.
Tento esculpir as palavras ao máximo. Tal processo lembra o tratamento dado aos jardins: corta-se a grama, tira-se as ervas daninhas e apalpa-se a folhagem sem esquecer da rega e da temperatura da terra. A rosa desabrocha depois dos chuviscos e dos temporais, e sem milagre algum, a rosa desabrocha e resiste às ventanias. Seria a Rosa a própria literatura?

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