Fernando Andrade entrevista Juan Pablo Gomes

JUAN PABLO GOMES - Fernando Andrade entrevista Juan Pablo Gomes

 
 
 
 

FERNANDO ANDRADE:  O escritor espanhol Javier Marias tem um título ótimo de romance, Amanhã na batalha pensa em mim. Quando li seu livro, ele veio à mente. A luta das palavras nos aprofunda no desejo. Mas pode ter sempre pedras no caminho a rolar, feito uma banda de rock. Queria que você falasse desta arte do desejo físico atravessado pela linguagem.

JUAN PABLO GOMES:  Belo achado de título esse do Javier Marías. A ideia da guerra, do combate, talvez seja um dos espaços de conceitos e arquétipos mais caros na história da poesia, enquanto o desejo entra pelas brechas, afinal o que a humanidade mais fez além de foder e guerrear? Gosto de pensar que a linguagem seria a continuação da guerra e do próprio desejo por outros meios e a poesia um dos artefatos mais potentes.

FERNANDO ANDRADE: Quando estamos na arte da imaginação, relações de diálogo nos mantém em delírio com nossos fantasmas literários. Como se eles nos dissessem – me apropriar de você. Como você conversa com seus fantasmas da criação?  E alguns exemplos que você puxou para o livro.

JUAN PABLO GOMES: Confesso que me incomoda esta figura dos “fantasmas” que atormentam o autor e que são esconjurados no fazer literário. Existem paisagens, algumas familiares (muitas hostis) e outras que nos são completamente estranhas. Na cartografia poética só registramos o que nos parece pertinente, se por ventura nestes espaços meus fantasmas aparecem  eu os convido a beber e tomar lugar junto a mesa, prefiro manter o emprego do meu analista e deixar a poesia de fora disso.

FERNANDO ANDRADE: É como se no espaço do intervalo entre ação e imaginação, a zona lacunar pudesse ser realizada em poema e arte. A relação do sal com o fazimento da arte parece uma relação bem complicada. O ócio parece mais procriativo ao labor artístico?

JUAN PABLO GOMES: Não há como escrever sem uma boa dosagem de ócio. Longe de entrar naquele lugar comum da criação literária como resultado de algo externo, alheio ao indivíduo, fruto da inspiração e do sopro criador etc. Acontece que fazer da linguagem arte é inevitavelmente desmontar seu elemento instrumental, desarticular sua utilidade padrão e lhe promover outros usos improváveis. O que é, por excelência, inútil. Fora do pragmatismo, do produtivo, do horário comercial, do mindset, do que se espera de um indivíduo padrão inserido numa engrenagem que lhe exige resultados, cumprimento de metas. Me lembro daquele poema do Leminski sobre quanto tempo leva um poema e fazendo o quê: namorando a vizinha, jogando bola, estudando sânscrito. Recaímos na questão do método. Como você vai chegar, quando e quanto vai lhe custar são outros 500.
FERNANDO ANDRADE: Por que o formato em diário para a composição dos poemas?
JUAN PABLO GOMES: Na verdade é um diário mais que imperfeito, quase datas lançadas a esmo e garanto que inúmeras estão equivocadas. No começo tentei utilizar algum critério estético ou cronológico na seleção dos poemas, não querendo insinuar alguma espécie de evolução, mas um possível diálogo interno, daí percebi que era impossível. 40 poemas que cobrem 20 anos. Uma quarentena pessoal na qual estive aprisionado em mim por mais que tenha percorrido tanto lugar. 
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