Carta para Drummond | Sandra Bonadeus

Drummond Jovem - Carta para Drummond  | Sandra Bonadeus

https://ims.com.br/2017/08/17/mais-sobre-drummond/

 
 
 
 

Meu nome é Sandra. Sou atriz, jornalista e curso atualmente a pós graduação lato sensu Corpo e Palavra nas Artes da Imagem e da Cena, na PUC-Rio.

 
 
 
 

 
 
 
 

Querido Carlos,

Quando eu soube que teria a oportunidade de escrever uma carta para você, pensei logo numa carta de amor. Afinal, esse é o nosso lance: amor.

Que ousadia escrever uma carta de amor para Carlos Drummond de Andrade! Uma carta íntima para ser lida diante de pessoas que mal me conhecem. Vai que o primeiro texto é o que fica?

Por outro lado, poeta querido, uma carta minha é muito pouco pra você. Eu deveria fazer uma escritura definitiva de amor, um testamento registrado em cartório que afirmasse para o mundo inteiro o quanto sou feliz e grata por esse mágico encontro de poesia e vida. E o que eu teria a declarar ainda a você, a não ser amor? Pra você, Drummond, todas as minhas cartas serão sempre de amor.

Sei que aí no seu Olimpo você nem sabe que eu existo. Fico pensando se essa intimidade toda que julgo ter com você é apenas fruto da minha imaginação. Nunca recebi nenhum sinal do além, nenhum aviso sobrenatural do tipo: “Sandra, Drummond manda dizer que abençoa o seu trabalho” ou “Drummond sabe que você existe” ou “Drummond torce pela sua peça”. Nada. Eu nunca nem sonhei com você, como sonhei uma vez com Vinicius de Moraes. Estávamos sentados, eu e ele, conversando numa mesa de bar. Uma cena fortemente branca, toda etérea, num fundo azul royal também fortíssimo. Vinícius com um copo redondo tomando seu whisky espiritual, falava comigo, dizia várias coisas e eu ouvia maravilhada.

Acordei sem me lembrar de nada do que ele disse, mas sentindo uma alegria secreta: Vinicius falou comigo! Mas com você, nobre poeta, nunca nem sonhei. Você nunca me disse nada, além do tudo que me disse tanto.

A sua poesia me põe no colo, me embala, me faz ter um olhar mais amoroso sobre a vida. Obrigada por ter salvado algumas vezes meu coração dilacerado, por ter me curado as feridas, por ter me ensinado que a vida é assim mesmo: amar, sofrer, viver, morrer de amor, renascer, reviver, amar de novo, sorrir de novo, morrer de novo, sofrer, viver e amar, sempre amar.
Amar se aprende amando.

Mas eu agora estou querendo saber, Carlos, como é que se aprende, não a amar, mas a ser amada. Acho que esse papo não seria bem com você, né?

Quem sabe era esse o assunto da minha conversa com Vinicius de Moraes?
Porque de ser amado ele entende bem, hein, muito mais do que nós dois, né, Carlos?

Mestre, eu vou encerrar essa conversa porque assuntos de amor, desamor, ser amado, desamado, desalmado, quase nunca acabam bem.

Despeço-me com um poeminha, um trocadilho que escrevi em sua homenagem quando te descobri em mim, ou quando me descobri em ti, já nem sei:

gauche

antes tivesse apenas uma pedra no meio do caminho – privilégio de poeta
eu tive que inventar um caminho no meio da pedra – senti a alma esfolar
foi duro, Carlos, inverter contigo o ardor
duros calos de amor
quase calo de dor

Sandra

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This Article Has 4 Comments
  1. Gisela Costa Pinheiro Monteiro Reply

    Bonitas palavras, Sandra! “Amar se aprende amando” também faz parte da minha história 🙂

  2. Paulo Cesar Studart Reply

    É isso mesmo Sandra. A vida é um círculo de amor, desamor, novo amor, desamor. Tudo reconeça e tudo acaba . Mas cada ciclo deixa uma saudade, uma experiência um ensinamento, uma evolução.

  3. Rogério Rocco Reply

    Parabéns, Sandra!
    E obrigado por abrir sua carta ao poeta para que todos possam conhecer um pouco mais das relações que o cercam!

  4. Monica Waldhelm Reply

    Que lindeza de carta e de poema . Viva Drummond e todxs que trazem a poesia para nossa vida . Parabéns, Sandra ! ❤️

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