Fernando Andrade | jornalista e crítico literário
O poema se contorce devido aos seus movimentos internos. Afiado não porque corte como lâmina de saber palavras. Afiado porque os sentidos são agudos na dor da ferida-cicatrização. O poema vai às camadas mais internas das estrofes para desvelar os feixes de versos que fazem torções. Mas e a vida podemos dizer que está para o corte assim como as relações entre imagens de um poema?
As imagens que temos no sonhos são torvelinhos de desejos no labirinto do ser. A vida já é mais ferina, não adianta soprar o corte que sangra. Vida como dizem só tem uma, sua biografia é tão realista quanto uma série de TV. Mas vamos metaforizar os percalços, as agruras dela, fazer da dor algo elegante como diz um poeta de Curitiba.
A poeta transfigura a linguagem, colore os meios tons das tintas, faz de um sopro uma brisa morna e benfazeja. Estas atuações em que a relação do vidro passa a ser o ato de abrir-se lentamente, como uma literalidade, mas também, com seus níveis de sentidos figurados.
A poeta Valéria Paz no seu novo livro Era vidro e se quebrou, Editora Penalux, faz do corte a lâmina, não de uma faca, mas sim, de uma lente que filma o corpo e suas afecções em torno do sentir demasiado por uma dor que imagina-se apenas na carne, mas também se porta na alma, nas camadas mais internas da poeta-ser. Valéria tem tanta magia das asas que elas podem a qualquer momento se musicar sozinhas pela mão de uma trovação do sentimento. Ainda faz no final das coletâneas, minicontos, onde a leveza e a sutileza parecem fazer do traço, um novo retrato do universo da fábula do contemporâneo.
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