GP. Observei uma “estética do non sense” na sua obra poética e ficcional. Você acha esta leitura justa? Comente sobre a questão do sentido e do não sentido numa obra de ficção.
FA. Minhas narrativas tanto como os poemas não transmitem mensagens, ideias, ou conteúdos em moldes de significados. Faço no nível semântico algumas explosões que lidam com as ambivalências que um sentido coeso, forte, e íntegro num texto precisa preservar para interpretações?
É uma fratura da lógica dos sentidos que quero expor através uma poética do som, do ritmo, da canção, porque o som e o sentido podem ser dissonantes, desarmônicos, tentar fundar tantos ruídos quando se quer exprimir os paradoxos da vida e da ficção.
O sentido é mais musical na sua fluidez de gênero, número e grau. Minha poesia parece uma quebrada de rua, onde o labirinto é o meio possível de ver a saída.
GP. A imagem da “linha” está presente em vários contos desta última obra. O que podemos encontrar se puxarmos esse fio de Ariadne até o fim?
FA. A palavra linha puxa este fio de Ariadne que demanda as ambiguidades de um texto de ficção. Quero ver o que pode a demanda de um texto quando desbloqueamos as fronteiras dos Gêneros. Posso escrever um romance ou suas células num livro de narrativas breves? Este paradoxo breve parece me interessar quando as linhas por onde passa a escrita não são demarcáveis por cercas de estilos literários. É a linha é sempre de fuga? Tanto no conto onde repito a palavra linha, inúmeras, vezes quando ela surge embaçada por outras questões como conto, jogo da velha, o que me interessa esta potencialidade narrativa quase combinatória, onde acaso, e o movimento se desenvolvem com força dramatúrgica dos sentidos.
GP. Adorno famosamente disse que, após Auschwitz, a poesia teria se tornado impossível. Vivemos novamente tempos bárbaros e desesperançados aqui no Brasil neste período de domínio político da extrema-direita, com mais de 600.000 vidas perdidas durante a pandemia e o retorno da fome que havia sido extinta na época dos governos progressistas. Diante deste cenário triste, há alguma função social para a ficção literária? Como você vê a relação entre política e literatura neste contexto difícil?
FA. O ato da escrita é um ato de mobilização quando você quebra modelos de sentidos duros que agridem uma relação de alteridade. Para provocar uma escrita possível é provável que o autor tenha que sair de si, bloquear seu narcisismo pessoal, para ser comum ao outro. Esta ponte entre olhares, pensamentos, se faz quando a potência da linguagem se faz pela faca afiada ao combate ao fascismo, porque os sentidos únicos e fixos padronizam e uniformizam o humano nos preconceitos. A literatura precisa ir ao fundo do corpo social e biológico para virar do avesso quanto à padrões estéticos e culturais.
Questões elaboradas por Guilherme Preger, organizador do Clube da Leitura Raiz e Doutor em Teoria da Literatura e Literatura Comparada pela UERJ. Autor de Fábulas da Ciência: Discurso científico e fabulação especulativa. Editora Gramma, 2021.
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