Fernando Andrade. A relação do seu texto de ficção com o teatro é visível não só pela formação do personagem Eusébio, que escreve e faz a cenografia das peças, mas também, há muito de um cerne dramatúrgico, nos espaços da trama, onde o sentido do texto parece mais lacunar do que explícito com relação ao desejo que demanda dos seus personagens. Esta motivação teatral é pertinente na sua escrita?
Jorge Sá Earp. Sempre gostei de teatro, ia muito ao teatro desde pequeno. Cheguei até a fazer faculdade de teatro na antiga FEFIERJ, hoje UNIRIO, por um semestre. Antes fiz teatro no Colégio Zaccaria. Queria mesmo era fazer direção, mas antes tinha que estudar interpretação. Eu era muito tímido para isso. Por isso desisti e fiz só um semestre. Ruborizava à toa, como ruborizo até hoje. Adorava também cinema. Queria ser diretor. Daí talvez essa identificação com o meu personagem Eusébio.
Escrevi algumas peças de teatro, tem cenas relacionadas com teatro no meu romance “O jogo dos gatos pardos”, baseadas na experiência do teatro no colégio. Mas em outros escritos meus, que eu me lembre nem tanto. Foi nesse “As amarras” que essa convivência com o teatro aflorou de forma mais intensa.
Fernando Andrade. Há uma certa hipocrisia familiar em que a sexualidade é tolerada pelos pais desde que as coisas se mantenham em sigilo familiar. Esta relação parece muito de certa cultura brasileira entre o público e privado, mas também há uma falta de diálogo com relação à identidades de gêneros e questões de orientação sexual. Fale um pouco disso. Como você acha que isso é desenvolvido no seu livro?
Jorge Sá Earp. Desde o primeiro romance ou os primeiros contos, pensava em escrever sobre a homossexualidade. Mas queria que fosse uma coisa bem feita. Sem escorregar em estereótipos. Por isso, esperei para tocar nesse assunto no terceiro. O Jogo, já citado. No segundo, “Sudoeste” há só uma cena. Depois o tema virou bastante recorrente na minha literatura. Não em tudo que escrevo porque não gosto de limitações. Quero liberdade para escrever sobre aquilo que tenho vontade. Sim, é verdade que nas Amarras há uma total falta de diálogo entre Eusébio e sua família. Tudo é muito velado. E é isso que de certa maneira pretendi mostrar. Não que essa intenção tivesse se apresentado no nível consciente. A minha escrita se faz de maneira mais intuitiva do que racional. Claro que existe o lado racional também.
Fernando Andrade. Queria que você falasse especialmente dos diálogos, que mantém uma inclinação que não diria que fosse para o humor, mas há neles, muito de uma consciência crítica sobre seu universo social? Como você trabalha essa carpintaria toda específica para um romance que fala tanto do palco.
Jorge Sá Earp. Eusébio é mordaz, tem uma maneira de ver o mundo a partir de um ângulo crítico e com humor. Com essa característica ele se afina com o teatro. Através da ironia, ele faz ver ao seu leitor como se tornam ridículas as relações sexuais e afetivas quando são mascaradas pela hipocrisia. Aliás, a palavra hipócrita tem origem grega, que no seu significado original quer dizer ator.
Fernando Andrade. Há uma interessante relação entre as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, onde a vocação do personagem Eusébio pende ora para uma ora para outra. Digo até que elas funcionam como certo imaginário arquetípico, onde as tendências se mostram e as facetas também entre o desejo do personagem. Como uma cidade se revela para seus personagens?
Jorge Sá Earp. Nas Amarras o personagem principal, que é carioca vai a São Paulo em busca de uma atividade teatral mais intensa e de um reconhecimento profissional maior. São Paulo sempre teve uma vida teatral mais palpitante do que o Rio, embora até o começo ou meados da década de 80, o Rio ainda apresentasse ótimas produções.
No meu primeiro romance O Ninho, foi Buenos Aires, no segundo, Sudoeste, foi só a vida solar do Rio, em Ponto de Fuga Brasília, na Cidade e as Cinzas Varsóvia e por aí vai. Como morei em diversas cidades, elas muito influenciaram meus escritos e consequentemente meus personagens. Talvez haja uma interação psicológica entre meus personagens e as cidades onde habitam. Mas nunca parei para refletir muito sobre isso.
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