Fernando Andrade entrevista o poeta José Adriano Alves

José Adriano Alves - Fernando Andrade entrevista o poeta José Adriano Alves

 
 
 
 

FERNANDO ANDRADE:  Você tem um excelente trabalho lapidar com a palavra, que não busca a rima fácil, mas sim, uma relação musical com o tom, a prosódia e o ritmo. Como é seu trabalho criativo com seus temas e formas?

JOSÉ ADRIANO ALVES: Meu caro Fernando, suas perguntas são certeiras como o meu 7 Flechas. Minha relação com a palavra poética é uma busca constante pelo pensar/sentir através das palavras, sempre procurando aliar de forma precisa e inovadora a relação entre forma e conteúdo. Aliás, nós temos uma rica tradição de formas e ritmos poéticos na língua portuguesa e penso que temos de usar todas as ferramentas possíveis para navegar na relação inesgotável do fazer poético, em busca desse poema inesgotável que é o viver. Além disso, venho de um lugar, Gravatá-PE, em que se escuta poesia e música desde o berço (coco, ciranda, frevo, cordel etc), então a musicalidade está ligada intrinsecamente ao meu fazer poético. 

 


FERNANDO ANDRADE:  A relação familiar para mim é um tema um tanto difícil de poetizar. Tende a ser mais narrativo pela capacidade de verbalizar emoções. Como tentou dizer, sem partir, para uma veia tão ficcional do tema?

JOSÉ ADRIANO ALVES: De fato, poetizar as vivências familiares é estar a todo tempo correndo o risco de cair na armadilha do sentimentalismo fácil. Contudo, procurei tratar essa temática como um fio condutor tenso para chegar a um bom resultado poético. Aliás, algumas coisas são reais, outras passam a ser a partir da criação ficcional que fiz, o que me deixa muito contente. A propósito, em algumas etnias indígenas, os mortos são tratados de uma forma ritual e bastante bela, eles, os índios, não fazem tão somente se livrar do corpo enterrando-o até apodrecer num cemitério qualquer. Desta forma é por isso que abro o livro com o poema “Ritual”, pois entendo que a morte é um momento ritualístico de reflexão sobre a existência, e que também é um motivo sublime para a criação poética. 

 

FERNANDO ANDRADE:  O pensamento no poema pode traí-lo? No sentido de tentar buscar um ângulo não comum, mais enviesado, algo que fuja de uma obviedade. Como relacionar no poema, tema e seu prisma?

JOSÉ ADRIANO ALVES: Com certeza corremos esse risco de ser traído pelo que queremos dizer. É por isso que escrevo não tomado apenas pela emoção, mas buscando usar todas as ferramentas poéticas possíveis para criar um poema que tenha vida própria, independente da emoção primeira e do tema, pois o leitor reconstruirá o texto de acordo com sua leitura, de acordo com o que se apresenta no texto poético. Em verdade, existe uma emoção primeira, porém o trabalho poético constante vai limando os excessos e a poesia vai tomando a forma que lhe é própria para o tema em questão. E muitas vezes o próprio texto vai encaminhando para determinadas soluções, num formidável jogo de forças e tensões entre quem escreve e o que é escrito. E talvez essa tensão seja justamente o que dá um viés inovador ao dizer poético. 

 

FERNANDO ANDRADE:  Toda flecha acerta o alvo? Ou erra o alvo? O que dentro da relação entre escutar as musas e fazer a canção tem mais para o jogo poético?

JOSÉ ADRIANO ALVES: Caro Fernando, em algum momento escrevo: “quando se escreve um poema, não se sabe o endereço/só que a palavra reclama/ o suspiro derradeiro[…]”. Veja, não escrevo para um alvo. Eu escrevo. Mas escrevo tentando criar uma realidade que, apesar de ficcional, seja verdadeira na sua essência. E quando consigo isso, acredito que o leitor sabe reconhecer essa essência e lhe acrescenta a sua própria vivência ao que está escrito. Gosto dessa relação criativa texto/leitor. Por outro lado, errar o alvo é, para mim, talvez escrever um poema apenas para expressar algo, para alegrar ou entristecer o leitor. Não creio que faço isso. A poesia, a literatura é mais que isso, é uma forma de ver o mundo, de criar um mundo próprio, em que o leitor, ao entrar em contato com o escrito, pode dar um salto existencial através da beleza poética (que pode ser o repugnante, o belo, o inusitado, o feio, não importa) e assim pular para dentro da vida e da literatura e não se alienar matando o tempo, pois como diz Machado de Assis: o tempo nos enterra. Em suma, creio que escrevemos (escrevo) criando algo que de certa forma não é afetado pelo tempo (Cronos) e que, essa forma poética, guarda o que pode e vale ser contido-guardado na poesia/memória.
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