Fernando Andrade entrevista o poeta Alexandre Brandão

ALEXANDRE BRANDÃO - Fernando Andrade entrevista o poeta Alexandre Brandão

 
 
 
 

FERNANDO ANDRADE: O sentido de observação da vida cotidiana em você se dá muito pelo afeto. Não é apenas a descrição-ação de algo que lhe tocou para chegar à palavra. Ali, no meio do caminho, uma série de cirandas afetivas que você mistura aos elementos da sua predileção, família, acaso, amigos. Me fale como é esta dinâmica da escrita?

ALEXANDRE BRANDÃO: Acho que você toca num ponto importante: sou do afeto. Gosto nas pessoas daquilo que, de tão humano, é impalpável. Assim, querendo agarrar o intocável com minhas mãos, quando escrevo um poema, particularmente um poema, é o afeto que me guia e exige a minha entrega. E o afeto se encontra na memória da infância, nos instantes em que o amor é sublime, na utopia que inventamos, que são os caminhos pelos quais transito. Escrever poemas tem sido meu jeito de abraçar o mundo, de acolhê-lo.

FERNANDO ANDRADE: A prosa está muito facetada nos seus poemas, existe todo um universo fabular sobre alguns dramas narrativos. Como se faz para tecer esta relação entre som, ritmo e vários sentidos aflorados na condução do livro?

ALEXANDRE BRANDÃO: Acho que são duas questões embutidas em sua pergunta. Uma é a questão da prosa facetada nos poemas, e nela há dois aspectos. O primeiro é que alguns poemas carregam uma história (cito como exemplos “A gambiarra da garotada”, “Primeira comunhão” e “O palhaço o que é?”) e, nesse sentido, se aproximam da prosa. No entanto essas histórias apenas insinuadas exigem o poema como suporte, pois só o poema dá conta delas. O segundo é mais tenso. No meu outro livro de poesia, “Nenhuma poesia: uma antologia” (Editora Patuá), uma de minhas epígrafes é uma citação de Manuel Bandeira. Em “De poetas e de poesia”, ele diz: “Sem dúvida não custa nada escrever um trecho de prosa e depois distribuí-lo em linhas irregulares, obedecendo tão-somente às pausas do pensamento. Mas isso nunca foi verso-livre.
Se fosse, qualquer pessoa poderia pôr em verso até o último relatório do Ministro da Fazenda. Essa enganosa facilidade é causa de superprodução de poetas que infestam agora as nossas letras.” Essa reprimenda me atinge de certo modo. Como não sou um sujeito que chega ao poema pela via da sua forma (um sonetista, um haicaista, o que seja), é possível que eu peque segundo o diapasão do poeta pernambucano. Vale a pena contar que no fechamento do livro recente, “O sol pelo basculante” (Editora Urutau), busquei dialogar com cinco pessoas: os poetas Leonardo Almeida, Nuno Rau e Vânia Osório, minha filha, Helena, que também escreve, e uma de minhas irmãs, Teresa Cristina, com quem mantenho um diálogo literário permanente. O Léo e o Nuno apontaram essa coisa da prosa e chegaram a dizer que certos textos não eram poemas nem aqui nem em lugar nenhum. Acatei a opinião em alguns casos e os excluí. O último texto do livro (“O sono dos cães”) inicialmente era apresentado em verso e foi transformado em prosa, sendo incluído solitariamente na parte que nomeei como “Fuga em prosa”. Enfim, não consigo me explicar bem, mas vivo em permanente atrito com essa temática prosa/poesia.
A segunda questão é a forma do livro, a composição de seus vários elementos. Bem, cada livro é um livro, não é? Os poemas de “O sol pelo basculante” foram escritos entre março de 2020 e março de 2022 e são minha reação (e meu luto) a tudo que temos passado (a pandemia, o desgoverno, a pindaíba econômica, a crise social), com o agravante de estarmos trancados em casa, isolados uns dos outros. Um dia, juntei grande parte daquele material e, premido pela angústia do confinamento e num rompante, mandei para a seleção da Urutau. Para minha surpresa, ele foi aceito, e, a partir daí, tive 40 dias para entregá-lo definitivamente. Como sou muito disciplinado logo me organizei. A primeira atitude que tive foi eleger os leitores-dialogadores. A segunda foi ler meu projeto. Quando eu o li, o que coincidiu com a chegada das primeiras reações de meus parceiros de aventura (que, verdade seja dita, foram sequestrados e atirados à revelia no meu navio), percebi que muita coisa era ruim.
Poemas precisavam de ajustes, a forma do livro era rude, infantil, o (primeiro) título era péssimo. Então, durante 40 dias (pois eu cumpri o prazo, sou desses), não fiz outra coisa além de ler, reescrever, ouvir meus cinco leitores, refletir sobre as camadas do livro, sua composição enfim. Acho que nunca trabalhei tanto e, creio, consegui arejar o livro, retirando dele, inclusive, a carga pesada de sua gênese.
Por fim, tem um aspecto de sua questão que é importante: gosto muito do ritmo da poesia. Rima, estrutura, nada disso me pega, mas o ritmo, sim. Então, preciso ler o poema e encontrar sua música. E falo de música porque, de fato, a poesia me pegou pela via da música popular brasileira. Primeiro ela, depois os poetas e a Poesia.

FERNANDO ANDRADE:  Há certa curiosidade muito oriental, quase japonesa, nos seus poemas, por chegar na interpretação perto de algum sentido. Mas você não fecha nenhuma direção, suas linhas melódicas parecem criar certas ambiguidades sonoras e semânticas, com certos espaços para imaginação do leitor. O que você acha desta afirmação?

ALEXANDRE BRANDÃO:  Não sei dizer quanto à curiosidade oriental, pois conheço pouco a cultura oriental.
Agora, não acredito na literatura quando se apresenta como uma caixa fechada e bem definida. São os vazios e as armadilhas que me atraem, sendo assim, a ambiguidade (mas não o hermetismo) é a voz do meu afeto.

FERNANDO ANDRADE:  A sua linguagem nos poemas está muito ligada a certo jogo textual com o lúdico, como víamos em Leminsk, por exemplo. As palavras saltitam como gatos sonoros, pulando aqui e acolá para o deslize da recepção do leitor. Como é essa brincadeira saltitante com o universo linguístico?

ALEXANDRE BRANDÃO: Gosto muito dos poemas nos quais você percebe que o poeta de certa forma se divertiu ao escrevê-lo. Pode ser até um poema triste, mas quem escreve sabe que primeiro livra-se da tristeza e depois volta-se ao que foi escrito e passa a lixa aqui e retoma o formão para furar um pouco mais a madeira ali. Nesse processo, por que não entregar ao leitor uma tristeza menos sisuda? De uma hora em diante, o poeta brinca, mesmo os que não brincam hora nenhuma. Como sou dos que brincam, minha poesia tem humor, ainda que passe longe de ser uma piada, quando não é bem triste.

Please follow and like us:
This Article Has 1 Comment
  1. Nilma Lacerda Reply

    Meu amigo poeta, e muito gente, Alexandre Brandão. “O sol pelo basculante” espera, paciente, pela minha fruição. Enquanto esse tempo não chega, me alimento da lucidez e simplicidade do poeta Brandão. Grande sujeito, bom poeta.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Social media & sharing icons powered by UltimatelySocial