A livraria | conto de Fernando Andrade

Fernando Andrade1000 - A livraria | conto de Fernando Andrade

Livraria

 
 
 
 
 

Fernando Andrade | escritor e jornalista

Havia passado pelo lugar uma ou duas vezes, nunca tinha entrado, pois achava a fachada mais parecida com uma loja de doces. Havia mesinhas fora, e alguns ao sol de meio dia tomava um café e quando não liam algum bom romance. Era perto da Rua do Ouvidor, Centro, a Travessa do Ouvidor, onde existia uma livraria grande que agora fechou. Entrei por que pensei ter ouvido uma garota de seus 20 anos, que estava na soleira da porta dizer que uma pessoa havia morrido de forma tão “bonita” que ela saiu para tomar um ar, suas feições estavam rosadas e havia contradição de sentimentos, um pouco mais para a felicidade.
Entrei e percebi que aquele recinto era na verdade uma pequena livraria. Livros em cima das mesas, pelas estantes, e não sem notar estranho, uma fileira dos dois lados pelo chão, como se o cliente ao entrar percorre uma trilha de ficção até chegar a uma mesa acadêmica onde ficava o dono. Muita gente se agachava para abrir os livros do chão, e ouvir dizer de um cara que o caminho da porta até a mesa tinha uma cronologia de espaço\tempo talvez modernista até os pós-modernos. Alguém perguntou por Adélia. Um outro respondeu Adélia, “Ela se encantou pela morte do velho Etrusco”. “Agora quem dá o sorriso é ela”. Havia me encantado com a beleza da garota, e mais agora depois de tomar conhecimento que ela nutria uma paixão pelo livro “O sorriso Etrusco”. O que faria? Voltava lá fora para puxar uma conversa com ela sobre o que poderíamos ter em comum a falar sobre uma paixão literária ou ficava para ver os livros e conhecer seu dono que achava que tinha algumas coisas instigantes a me falar. Olhei para trás e a vi sentada na mesa de café com o olhar profundo e um pouco confusa. “Entre sem bater”… – olhei para o aviso na porta. Um lugar que recorria ao silêncio já na entrada me puxava para uma zona de signos não elucidados…
Não me chame pelo preço, não me toque por reconhecimento. Apenas sinta prazer em ter-me. Uma tabuleta estava fixada na parte de cima de um segundo piso, mais especificamente onde ela caia no vazio. Cheguei perto do dono e disse: Bela livraria! Ele olhou para mim e disse “Talvez”. E voltou a olhar um livro que parecia que não lia, apenas concentrava sua atenção em algo que estava além da leitura. “Há quanto tempo tem ela”? Há dois anos, mas agora estamos “livres”. Achei estranho ele estar livre da livraria se estava sentando ali, provavelmente todo dia. Dá lucro? Ele me olhou com raiva, só prostitutas dão lucro! Ela é? Não, é muito tímida. Sorri e pensei nos travesti da Lapa com seus discursos ambíguos, com duas leituras sexuais apostando em sexo e dinheiro. Ela estava lendo um livro que a fez pensar no seu avô. É triste eu falei, embora exista uma beleza encantada no personagem, e também na escrita de José Luis Sampedro. Este discurso de que fala não mais referenda o que é boa literatura, o livro deixou de ser um objeto místico. Se comprares um livro, isto já deixa de ser um ritual, sair de casa, ir a uma livraria, passar horas selecionando o que vai levar ao caixa. Tudo hoje é movido por referência. Alguém te diz que aquele livro é bom. E você vai atrás do livro, sem saber se vai servir para você. Por que os livros no chão? Para saberes onde está pisando… – e riu. Aqui tem pessoas encantadas, seres mágicos que entram em mundo de fábulas, que trocariam o certo pelo o errado para experimentarem os erros dos outros que se machucam… -O livro é como uma ferida que sangra até a cicatriz aparecer. Você está interessado nela? Fiquei vermelho e demorei a responder. O que une duas almas? São leituras que cada um faz do outro. A prostituição é o comércio da leitura? Com esta frase saí da Livraria e fui sentar junto da garota do sorriso Etrusco.

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This Article Has 1 Comment
  1. Roberto Monteiro Reply

    Belo conto.

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