5 poemas de Mila Teixeira

Mila Teixeira 1 1 - 5 poemas de Mila Teixeira

Mila Teixeira (Rio de Janeiro, 1993) é poeta, dramaturga e roteirista. Publicou o livro de poemas A Proclamação da Vulgaridade ou Quantos Furos uma Calcinha Pode Ter? (Urutau,2021)

 
 
 
 
ismália (tomou o rumo dela)
quando ismália enlouqueceu
quer dizer quando dizem
que ismália enlouqueceu
era dia de eclipse em escorpião

no auge do seu retorno de saturno
ismália escreveu carta de demissão
era consultora de marketing em
uma grande companhia

se questionou se era desvario
típica crise de quem se deu conta
de que roupa social era cativeiro
de que poupança conjunta não tinha cabimento

raspou o último centavo do banco
cláudio entrou com processo ela conseguiu
provar que cada real que pegou era seu
não me pergunte não sei como

seguiu seu sonho decidiu abrir um quiosque
na praia de cabo frio hoje em dia
todo mundo sabe que é o point da
cerveja trincando água de coco espetinho de camarão queijo coalho

***

som
às vezes me jogo no chão depende do dia
me jogo mesmo, com vontade
não é me deitar, visualize:
tem que fazer barulho
é uma queda tem que ter impacto
me jogo no chão depende
do dia os cães
pulam em cima de mim
sei que gostam quando
reclamo de dor e rio em seguida

***

poetas são pobres

hilda hilst disse que esse negócio de poesia
não dá dinheiro nenhum
se é pra escrever
que não seja poesia

poetas não recebem
salário
direitos trabalhistas
prestígio ou
podem tirar férias
ninguém lê poesia

ai que verso inflamado muda isso

são poucas as pessoas que leem
poesia
poetas acumulam:
(as que não são herdeiras, pelo menos)
boletos
saldos negativos
empréstimos
ligações de são paulo e
precisam trabalhar em agências
de publicidade
escrever comerciais
dá algum dinheiro
não se engane não
muito

***

baile funk em dia de ovulação
ao som de Valesca Popozuda

te olho de canto de olho pra
você não ler o letreiro neon
na minha cara:
quero-te-dar
quero-quero
quero-te-dar
só que você vê
o movimento da minha bunda
bem na sua direção não me deixa
mentir e eu sei que vou
te prender
com cordas te colocar uma vendinha
assim que você chega com uma
skol beats bem gelada

na minha pele
foi três por dez
você me diz sem nem imaginar
que daqui uma semana

vou te pedir pra vestir uma calcinha nova
você vai aceitar de bom grado
sorriso de orelha a orelha
vai ficar todo acanhado quando eu elogiar:

até que vermelho te cai bem

quantos furos uma calcinha pode ter?

para colocar fogo nas suas calcinhas você vai
precisar de (por ordem de importância):
suas calcinhas
um recipiente que não derreta em contato com o fogo
fósforo
álcool
estar em um espaço aberto
água caso dê algum xabu (queremos apenas calcinhas destruídas)
força de vontade porque
provavelmente vão te questionar
meu deus por que você tá colocando fogo nas suas calcinhas?
sugiro a seguinte resposta
dada de forma suave como esperam
é que essas estão muito velhas com muitos furos estão manchadas de uso são muitos os fluidos que
passaram por elas não se preocupe pretendo comprar calcinhas novas muito em breve te aviso

 

Mila Teixeira nasceu no Rio de Janeiro em 1993. É poeta, ficcionista, dramaturga e roteirista.
É autora das peças Inscrição na Areia, apresentada no festival Brazil Diversity, em Londres, em 2018, e Mandinga, apresentada no festival Mulheres em Cena, no Teatro Maria Clara Machado, no Rio de Janeiro, no começo de 2020.
Tem poemas publicados em revistas digitais como Escamandro, Mulheres que Escrevem, Totem & Pagu, Ruído Manifesto e O’Cyano.
Publicou o livro de poemas A Proclamação da Vulgaridade ou Quantos Furos uma Calcinha Pode Ter em 2021 pela Editora Urutau.

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