FERNANDO ANDRADE-) Nos seus contos a fábula é um olhar sobre o maravilhoso, aquilo que desperta a gente para uma outra lente para não nos ferir tanto pelo peso de uma realidade que tonteia às vezes. Você não entra tanto num universo da fantasia, ou entra? para falar de relações tanto de gêneros quanto da própria essência humana?
ELIANA GESTEIRA-) Ao escrever, procuro deixar pistas sobre o exercício de imaginação que faz parte do processo criativo e também da chamada realidade. O cotidiano é repleto de fantasias que são consideradas verdades absolutas. Recorrer ao fantasioso, ou ao maravilhoso, como diz, é uma forma de ressaltar a criatividade que nos constitui e de contar histórias que envolvam, inclusive, condicionamentos tidos como naturais e definitivos.
FERNANDO ANDRADE-) Senti uma delicadeza na pintura da sua escrita, como se a poética do texto exalasse certo perfume das flores, tornado os contos muito sinestésicos. Como lida com a palavra escrita e o que ela desperta em você?
ELIANA GESTEIRA-) Minha escrita acontece enquanto caminho, limpo a casa e realizo outras atividades do dia a dia. Sinto cheiros e toques, vejo cenários e ouço conversas dos personagens. Parece desatino. E é. Só que rearranjado pelo pensamento.
Venho da pintura, onde intuição, pensamento e ação são indissociáveis. Me deixar levar pelos sons das palavras e buscar a justeza de cada significado foi como navegar em mares já navegados.
Já a delicadeza, que gentilmente se referiu, talvez ela seja uma impressão surgida do cuidado com o qual procuro me aproximar desse outro que, não sendo eu, partilha comigo sentimentos e sensações.
FERNANDO ANDRAD-) Você desconstrói com sua poética um rotina diária massificante onde a mulher precisa ritualizar certos padrões de comportamento para não sair de seu eixo de normatividade. Através de um eu questionador esta posição cai nos seus textos, olhando a realidade pelo maravilhoso descrito na primeira pergunta. Fale sobre isso um pouco.
ELIANA GESTEIRA-) Embora as personagens pareçam imersas numa rotina angustiante, sempre há no texto elementos para demonstrar que elas não desistiram de seus desejos e da busca por um eixo de equilíbrio. Às vezes acontece desses desejos se mostrarem espontâneos, quando, na verdade, são fabricados e impostos.
Cabe à leitora ou ao leitor interpretar a motivação das personagens.
FERNANDO ANDRADE-) Interessante o título do seu livro. A pedra é um elemento duro e maleável ao mesmo tempo, pois ela se transforma em outro poeticamente. Há certo movimento interno nela ligado ao crescimento? E o sol ilumina dá calor… me fala um pouco desta síntese que faz no título?
ELIANA GESTEIRA-) Os chamados elementos inanimados não parecem provocar grandes desassossegos aos humanos. Apesar de nos afetarem, persistimos na crença de que possuímos poder sobre eles. Uma pedra, por exemplo, pode se transformar em uma escultura ou em um monumento. Mas pode nos esmagar, seja vinda de uma montanha ou surgida do espaço.
O sol também se assemelha a um ser inanimado para nós, que giramos ao seu redor indiferentes à sua imprescindibilidade para toda vida na terra.
A imagem de um sol de pedra pretende bagunçar com essa presunção humana. Ela remete a peso, solidez e movimento. E expressa igualmente o sinistro e as fatalidades sobre as quais não temos controle. Um sol de pedra oprime ou ilumina, angústia ou atiça a curiosidade. É como o tempo para qualquer humano.
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