FERNANDO ANDRADE: Você repercute de certa forma a vida pública de cada personagem como a jornalista a delegada, na intimidade deles dentro de seus apartamentos. E as relações entre público e privado andam tão entranhadas que mesmo as paredes que isolam cada espaço íntimo do outro não fazem ruir, manias, vícios. Fale um pouco disso.
Procurei criar personagens com diferentes perfis e predileções, cujo ponto em comum fosse o fato de habitarem o mesmo prédio. Unidos por essa condição (vizinhos ou funcionários do edifício), suas ações e manias são predominantemente perversas. Nesse caso, o mergulho no interior dos apartamentos (no âmbito privado) pode transmitir que também na esfera pública as relações daquelas pessoas são marcadas pela recusa da alteridade em detrimento dos próprios interesses e do gozo imediato. Nesse sentido, alguns são muito mais oprimidos e excluídos. Daí a inversão entre protagonistas e coadjuvantes.
FERNANDO ANDRADE: Se existe algo que não consegue manter-se isolado ou em segredo num edifício onde os vãos – lugares como, escadas, elevadores, portarias, sala de ginástica, garagem, dão certo acesso coletivo aos moradores do lugar. Como tece estas relações sociais, às vezes até de cunho sexual?
RENATO TARDIVO: Acredito que algumas coisas permanecem em segredo. O segredo do seu Antenor, o que o seu Mauro faz com as visitas que recebe uma vez por semana, as fantasias de dona Marcia com o menino Prudêncio são alguns exemplos. Outras se passam nas áreas comuns, mas de certa forma tentam se esconder (os dois meninos atrás da churrasqueira e o pudor de dona Norma ao receber uma encomenda inusitada são exemplos). Mas aquele que talvez seja o maior segredo do livro só é revelado nas últimas linhas, e, mesmo assim, à exceção de um personagem e, evidentemente, do leitor, os demais moradores não terão tempo para descobri-lo.
FERNANDO ANDRADE: Há uma nítida marcação de gêneros onde os papéis sexuais se invertem na parte de dominação do corpo do outro, como no conto da delegada. Os homens parecem mais acomodados nas narrativas, é certo ou não, a afirmação?
RENATO TARDIVO: Acredito na legitimidade de cada leitura. Enquanto autor, não me cabe dizer se uma afirmação sobre o livro está ou não correta. Mas concordo com você em que essa inversão aparece em algumas situações, como na relação da delegada com o marido. Agora, há outros homens no livro que talvez não sejam tão acomodados assim. Seja como for, creio que certa volubilidade atravessa boa parte dos moradores.
FERNANDO ANDRADE: A violência física costuma habitar os apartamentos de diversas maneiras. Inclusive no papel de um poder de uma síndica. E geralmente vem com certa dose hipócrita sobre a manutenção da intimidade familiar. Fale um pouco disso.
RENATO TARDIVO: Não havia pensado a priori em inserir a violência física nas narrativas. Ela foi surgindo de modo intuitivo, atravessando as relações de poder, o trânsito pela sexualidade, os traumas de alguns personagens. Outras modalidades de violência também aparecem. Quero crer que esses excessos, esses incômodos, esses estranhamentos possam trazer ao leitor alguma reflexão acerca das ações alienadas por meio das quais aquelas pessoas se engolfam.
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