Fernando Andrade entrevista o escritor Alvaro Mendes

lvaro Mendes  - Fernando Andrade entrevista o escritor Alvaro Mendes

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Fernando Andrade -) Seu livro de contos tem uma interessante ruptura sobre os gêneros, ao mesmo tempo em que os textos versam sobre uma Maria desdobrada em outras, bem brasileiras. Há uma certa continuidade espaço-temporal e dialética sobre o material humano e cultural, podendo resvalar num certo romance? Como pensou esta formatação para escrever seu livro?

Alvaro Mendes -) Eu pensei em escrever um livro que desse uma certa continuidade a -digamos assim- uma “mulher brasileira”, aquela das primeiras caravelas aos dias de hoje. Mas queria que isso ocorresse a partir de algumas fragmentações históricas, bem definidas em quatro contos que retratassem quatro épocas.
Quanto à formatação, o leitor vai perceber uma mudança de conto para conto.
A primeira Maria, a do século 16, tem um narrador único externo, na clássica terceira pessoa. Na segunda, a do século 18, além do narrador externo, aparece um outro que escuta essa Maria, diretamente. Na terceira Maria, a do século 20, a narração ocorre exclusivamente através de cartas, memorandos e diários de quem a conheceu. E na última delas, a do século 21, o conto é transcrito como em uma tela de WhatsApp.

Fernando Andrade -) Você de certa forma tenciona o padrão cultural de uma sociedade baseada na falta de liberdade, no racismo, na opressão social. Acredito que esta corda histórica, pegando o tempo da escravatura até os dias de hoje, lhe dá uma liberdade tremenda de questionamentos sobre o papel do feminismo, o patriarcalismo quase feudal da sociedade brasileira. Que diferenças seu texto apontou entre as diversas épocas abordadas?

Alvaro Mendes -) O mote do livro é uma violência: a traição conjugal. Como quatro mulheres de diferentes épocas reagiriam a isso? Qual seria o ponto de inflexão que tornaria, para cada uma delas, a traição como sendo algo insuportável? Às vezes, tendemos a olhar para o comportamento passado com os óculos do presente.
A minha intenção foi escapar disso. Por isso, procurei sedimentar os contos em uma esmiuçada pesquisa histórica que fiz, como tentativa de oferecer ao leitor óculos os mais próximos possíveis aos daquelas épocas. Convido o leitor –e enfatizo aqui: sobretudo a leitora- a colocar esses óculos e enxergar, por si, as diferenças de épocas.

Fernando Andrade -) No último conto temos uma outra forma de escrita e até de ver o mundo. A sexualidade é mais fluida, as relações parecem líquidas, como diz Bauman. Por que adotou uma linguagem mais próxima do teatro para desenvolver este conto em particular?

Alvaro Mendes -) São quatro Marias, e a última é a que vive agora, nesse mundo líquido, de sexualidade mais fluida e plural, porém com demandas firmes sobre espaços e direitos. A moldura que comporta esse nosso tempo é a da celeridade, o que implica em interações de comunicação menos profundas; opta-se pela capacidade de se informar a muita gente, daí a mensagem ser curta, superficial e truncada. Por conta disso, procurei espelhar o quarto conto em uma linguagem de WhatsApp, que pode transmitir esse aspecto teatral de uma trama de um lado e um espectador do outro. Porém, ainda que a moldura atual seja dessa forma direta e rasa, de maneira alguma quero dizer que as dores, desejos e raivas da última Maria sejam mais leves ou superficiais. Apenas, serão vistos através dessa linguagem.

Fernando Andrade -) Queria que você falasse sobre o terceiro conto. Nele, há uma personagem mais forte com linhas de uma heroína, que luta pela liberdade e por melhores condições de trabalho e vida. Ela entra em pleno século XX, com plenos dotes políticos-ativistas. Fale um pouco disso.

Alvaro Mendes -) O terceiro conto narra a história de uma líder operária negra, que vive a época em que as mulheres começam a atuar no palco político e no exercício do trabalho assalariado. Dá-se a primeira onda do feminismo por aqui, exigência por voto, busca de direitos iguais, além das greves que começam a pipocar.
Essa personagem está no meio de fábricas que a exploram e de um marido que a desmente como feminista. É interessante porque ela é a única das quatro Marias que tem a mãe e a filha apresentadas como partes diretas da narrativa. Todas as três gerações também têm Maria no nome. Com a avó, percebe-se o horror que era a escravidão; com a filha, surge a ruptura de quem luta por seus direitos de mulher; e com a neta, vem uma esperança decidida no futuro da mulher.

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