Fernando Andrade: A entrega amorosa ao outro parece ser um mote importante nos seus poemas. A palavra serve com carta ao desígnios do amado, porém há sempre ou quase sempre pedras no caminho como a dúvida, o ciúme, a traição. Me fale um pouco destas relações sentimentais com o amor?
Karla Júlia Dallale: – Como descendente de sírio-libaneses, sou intensa, passional. Minha poética reflete esta minha característica. Tanto que logo na quarta estrofe do meu primeiro poema do ” Via Crucis” o ” “Última Ceia” você lê:
em meu sangue corre areia do deserto
nele há mirra, incenso
tragédias e paixão
Essa é a herança que trago deste povo sofrido, que corre em minhas veias.
Além disto, desde pequena convivi com artistas. Minha mãe era costureira . Trabalhava para Dolores Duran, Doris Monteiro, Ângela Maria, Nana Caymmi, que viraram grandes amigas. Em minha casa se respirava música, arte. Eu sabia de cor todas as canções dessas “tias” de coração. Acho que isto foi se incorporando em minha escrita. Todas as letras dessas canções que falavam de amor, perdas, etc.
Fernando Andrade: – Você passa longe na minha opinião de um trabalho confessional, ou de abertura analítica, porque suas emoções não são pré-desenvolvidas de forma um tanto intelectual, ficando na base da pura emoção. A racionalização do afeto não passa pelos seus poemas. Você concorda com tão pensamento ou não? porquê.
Karla Júlia Dallale: – Hoje nem tanto.
Se você tiver a oportunidade de ler meus dois primeiros livros ” Alma Nua” e ” RECANTOS- dos versos íntimos” ( este último premiado melhor livro de poemas pela União Brasileira dos Escritores- RJ 2019), você irá perceber um lirismo mais forte. Se bem que no livro ” Recantos” já abordo questões sociais como a dos refugiados sírios e questões existencialistas.
Fernando Andrade: Como foi esta relação com via dolorosa da crucificação de Cristo? Que tipos de imagens passaram por você para a criação dos poemas?
Karla Júlia Dallale: – Meu pai era judeu, minha mãe, libanesa católica ortodoxa. Sempre tive muito interesse pelas religiões. Percorri a Via Dolorosa assim como peregrinei por todos os lugares santos das três religiões (judaica, cristã católica e ortodoxa , além de lugares sagrados muçulmanos) quando fui à Terra Santa, o que me valeu um diploma de Peregrina da Terra Santa do Prefeito de Israel e do Ministro do Turismo de Israel.
Estudei muito a vida de Jesus Cristo e quando lá cheguei o impacto foi enorme. Todos, em nossa vida, percorremos de certa forma, uma Via Dolorosa. Eu quis humanizar a figura de Jesus sem tirar seu aspecto sagrado, como nos poemas em que uso Maria Madalena como sua companheira.
Fernando Andrade: O profano e o sagrado fazem parte de sua liturgia poética numa assumida mitologia de Eros quanto a palavra transformadora?
Karla Júlia Dallale: – Com certeza. Sempre estudei filosofia e mitologia. Cada vez mais procuram fazer poemas com temas mitológicos. Eros nos impulsiona a viver, Jesus veio para nos salvar. Seu Verbo é transformador. Ele nos fala de uma maneira melhor de viver, através do Amor, de todas as formas.
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