Fernando Andrade entrevista o poeta André Luiz Pinto sobre o livro ‘O guru’

Andre Luiz Pinto LIVRO GURU - Fernando Andrade entrevista o poeta André Luiz Pinto sobre o livro 'O guru'

 
 
 
 
 

Fernando Andrade – Sua poesia tem um diálogo com um tom de conversa entre autor e leitor pelo grau que existe de intimidade na escrita com a pessoa que recebe seus poemas. Mas não é uma arte coloquial, você domina a linguagem poética como ninguém. Como se deu este tipo de escrita para seu livro. Comente.

André Luiz Pinto – Obrigado, Fernando, pelas palavras. Em relação ao que você me pediu para comentar, a linguagem poética trata-se de uma usina de tensões e distensões, em que ora a clareza e a obscuridade, a coloquialidade e o formalismo interagem continuamente, em seus extremos e meios-termos. O tom informal de aparente conversa identificado por você em meus poemas é ao mesmo tempo uma estratégia e uma espontaneidade, uma forma de aproximação com o público, mas, antes de tudo, herança que os mestres do modernismo nos legaram e que ainda se tem muito a aprender.

Fernando Andrade – A poesia poderíamos dizer que uma arte do afeto, mas não da verdade absoluta, da razão pura, sua estética pode estar dentro de vãos, de interstícios, onde o sentido se camufla com seu ambiente. No seu livro a gente percebe o alcance disso. Fale um pouco sobre isso.

André Luiz Pinto – De fato, uma característica da minha poesia é certa desconfiança, não para com a verdade propriamente – ainda que eu tenha publicado em 2004 um livro de poemas de título Primeiro de abril –, mas para com qualquer discurso travestido de verdade. Nesse sentido, minha poesia é sempre descrente para com qualquer discurso que soe hegemônico. Desconfio de agendas literárias.
Não espere esse comportamento de mim, minhas preocupações são exclusivamente minhas. Não escrevo por modismo; acabo pagando até por isso um preço. Mas eu teria feito diferente?

Fernando Andrade – Você usa muito a ironia em certos poemas, para falar de identidade, de alteridade, de julgamentos. Queria que você falasse um pouco sobre isso na sua escrita.

André Luiz Pinto – Meu texto é mais irônico do que eu, acredite. Pelo menos é o que Cris, minha esposa, vem me dizendo. A ironia não é propriamente uma estratégia que eu adote de aproximação para com o leitor; ela está mais para uma personalidade que me caracteriza como escritor, se é que isso existe. A ironia é como eu olho as coisas e como elas se mostram para mim ao mesmo tempo. Mas é também uma forma de defesa. Em país tão desigual, se você está do lado mais frágil da corda, cultivar algum cinismo é aceitável e eu até diria recomendável para sobreviver e não perder a cabeça.

Fernando Andrade – Como professor, você possui o dom de ensinar, até que ponto o ensino é uma relação profícua com a escrita poética, quais são as semelhanças e as diferenças no magistério e na poesia.

André Luiz Pinto – Dizer que tenho o dom de ensinar são palavras suas, não minhas. Brincadeiras à parte, ser professor, por enquanto, tem sido o meu ganha-pão. Ainda que eu acredite que a poesia seja um modo de autoconhecimento, de aprendizado no campo da linguagem, não creio que haja no que escrevo algum paralelo entre a escrita poética e o magistério. Isto porque, na condição de professor, constitui compromisso justamente o esclarecimento, deixar que as pontes estejam seguras para que o aluno as atravesse e assim siga por sua conta e risco. O sentido mesmo daquilo que chamamos educação. Na poesia, não; por mais palatável e claro que um poema possa parecer, nele há uma cifra sempre antagônica ao que convenhamos chamar de ensino. Um poema não ensina, não educa, não está aí para o autor e muito menos para você. Num poema exercita-se aquilo que Immanuel Kant definiu de uso público da razão, ao passo que na condição de professor, em especial, de servidor público, cabe-me o uso privado da mesma. Noutras palavras, como professor, estou fixado a um ethos, isto é, a um conjunto de responsabilidades e necessidades linguísticas e de comunicação esperado de minha atividade. Como poeta, isto cai por terra. É a liberdade criativa em cada vírgula. Não há maior risco para um artista do que quando ele se torna professor de si mesmo.
E, figura desprezível que sou no mercado literário, estou uma vida longe desse prazer, desse sucesso..

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