Fernando Andrade – escritor e jornalista
Um ato teatral joga a ação no palco onde fala e jogo se imbricam.
Mas as ações estão contidas naquele espaço cênico, ficam guardadas, na mente do público. A vida já não é um jogo, pois suas regras, são abertas para um espaço infinito de uma vida toda contendo até seus 80 anos. Numa peça podemos escrever sobre numa resenha crítica mas quando olhamos a vida de uma família, as coisas podem se perder pela infinidades de momentos tão ínfimos e pequenos que só a psicanálise pode rememorar. Neste obra aberta que é a vida, com o passar do tempo, as gerações que sucedem através da filhação, os erros, os equívocos, as faltas, as presenças, acho que só a ficção pode moldá-la num painel mais profundo. É o que fez o escritor Ricardo Trinca no seu romance As sementes do oratório, pela editora 7 letras. O autor trata seus personagens, Deodoro e Elena, um casal, com o cuidado não de uma psicologia familiar, mas como uma drama documental sobre o que os pequenos gestos, acontecimentos, palavras, fazem, como impulso, com empuxo, para coisas a serem feitas e ditas no futuro, como o passado, nos dilapida naquilo que nos tornamos. Elena tem problemas saúde, Deodoro usa seu trabalho, de forma a preencher suas lacunas de formação. O livro extremamente bem escrito pelo autor, usa a metáfora da semente trazida pelas aves numa espécie de caixa, de oratório em momentos, onde a memória se intensifica bela beleza ou força ou da morte, ou de uma epifania. A infância de Deodoro ali naquele rio onde ele mergulha pode ter tanta força numa explosão trágica de devir daquilo que potencializa as lembranças nos gestos do amanhã, ou da melancolia do luto.
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