créditos: Vitor Vogel
Fernando. A poética é uma casa familiar porque vem da palavra, ou pelo verbo. Como você se vê como poeta e escritor, através destas heranças paternas e maternas? Este seu livro reflete isso?
Felipe. A intimidade com as palavras veio cedo. Na infância, ler dicionários e praticar caligrafia eram meus hobbies. Via sempre meu pai lendo e ganhava muitos livros infantis da minha mãe. Decidi ser escritor quando crescesse. Adulto, cursei letras: graduação, especialização e mestrado. Tornei-me professor. Quando a vida acadêmica e o magistério já não bastavam à literatura, surgiu o escritor. Passei a escrever com compromisso, e a poesia acolheu minha expressão. Apesar de ter escrito muito na adolescência (ganhando até prêmio), eu me vejo como alguém que se preparou durante a vida, para se dedicar à prática com a maturidade. O tempo forjou o poeta. Pai de menino reverencia esse percurso, fala sobre os silêncios que herdei de meu pai – que tanto nos distanciaram quanto me moldaram como leitor.
Fernando. Há certo jogo de palavras e sentidos mexendo com a polissemia. Como é sua criação poética com suas imagens? Comente.
Felipe. Minha poesia sempre buscou a ilusão de ótica, o jogo de espelhos. Com Pai de menino, avanço várias casas nessa direção. Há uma mensagem clara, no primeiro plano dos meus poemas, que, vista com mais atenção, revela camadas subterrâneas de sentido. Penso os textos como cápsulas de múltiplas leituras, porque trabalhar com poesia é extrapolar as possibilidades de “uso” da palavra. E persigo esse resultado sem precisar deixar pistas para o leitor, optando pela economia textual, o poema enxuto, mínimo, autossuficiente. Este é um desafio que me motiva: dizer muito, com pouco. Reconheço que a polissemia, a concisão e o efeito de simplicidade são as minhas obsessões poéticas.
Fernando. Você trabalha muito bem a sexualidade através de palavras entre o erudito e coloquial. Faz também um exercício referencial também. Fale um pouco disso.
Felipe. Pai de menino tem seu erotismo. Os poemas dessa natureza surgiram mais como uma necessidade minha de lidar com questões pessoais do que como uma tentativa de me experimentar no gênero. A maioria dos textos foi escrita na pandemia, durante o isolamento social, sob uma certa interdição sexual. Fazer poesia foi também um meio de lidar com essa tensão. Talvez por isso alguns desses poemas soem confessionais, autoficcionais.
Quando o erótico se apresenta, meu caminho é abordá-lo antes pelo viés da dor do que pelo do gozo. Assim, coloquial ou formalmente, antes se impõe uma linguagem brutal, concentrando as cargas de violência que os enlaces sexuais/amorosos podem dissimular. Esse traço dos meus poemas homoeróticos os assentou bem na estrutura do livro, que também passa por uma crítica da construção da masculinidade.
Fernando. Como é o corpo para você no universo poético. Como você o trabalha, em semântica e estética? Comente.
Felipe. É frequente leitores se dizerem afetados pela “crueldade” de meus textos. Isso talvez venha do caráter físico das experiências do eu lírico. São muitas vezes dolorosas, decorrentes de conflitos sofridos em um corpo dissidente que arrisca desejar, circular, ser visível, viver. Não me vejo trabalhando, planejando, essa abordagem do corpo: ela pode despontar ou não, naturalmente, em meu universo poético – por eu ser o que sou, e escrever.
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