Fernando Andrade| jornalista e escritor
O poema cabe numa luva. Mas como deixar suas impressões digitais, com esta luva, vestida na mão, disfarçada. Usa-se luvas e chapéus para ir pelo caminho, irreconhecível. Minha poesia me pertence, embora não escreva à caneta com luvas para massagear o papel, onde pratico estéticas corporais, onde língua, palavras, fazem o nexo causal, entre o que sou e o que escrevo. Mas resenhar é também uma arte de sublimar o outro pela escrita, se não o conhecemos, passamos a vê-lo com olhos amigos, talvez até companheiros. Senti uma dose de bar daqueles que tomamos uma com a outra, para falar da vida, esta não íntima que cada um leva. Mas o poema bem escrito já traz uma certa voz interior onde os silêncios dizem o indizível.
Febraro de Oliveira fez um livro lindo, chamado Caixa d’água, pela editora Reformatório, onde afogar alguém dentro de uma caixa d’água deixou pistas com luvas, onde só a linguagem até poética pode chegar ao rito da dor de perder um filho vítima de homofobia. O poeta trabalha cada pedaço de verso, com a lapidação que chega na pintura mais aguda em seus tons e sobretons escuros, sombrios, e tristes.
O ter sido, o devir após a morte, a saudade, pequeno homem terno, que não sai mais, não ama quem quer, um desabrigo, talvez para a mãe que espera um encontro para a pacificação do coração. Febraro fez um livro tão belo quanto cheio de ternura, por onde passa a azaleia onde os ninhos estão protegidos pelos bosques.
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