por Luiz Eduardo de Carvalho
Decerto que sempre há encanto no precioso convívio com nossos filhos, exceto, talvez, para um ou outro pai, uma ou outra mãe que, por necessidade ou desleixo, se exilam do mundo de descobertas mútuas que educar uma criança representa.
Alguns, no entanto, não apenas mergulham na tarefa com total entrega, como descobrem nela o fascínio do convívio tão repleto de aprendizagem. Poucos, porém, conseguem fazer disso uma aventura tão prazerosa que pode, e deve, ser compartilhada com todos.
Em Posso Fazer Uma Pergunta – Crônicas Para Salvar Unicórnios, a escritora Gisele Moreira, transpõe para o papel alguns encantadores relatos dessas experiências vividas com sua primogênita Lucy e algumas com a caçula Nina que, por meio de perguntas, atitudes, observações ditas ingênuas a respeito das coisas do mundo real e de outras tantas do universo da fantasia, demonstram o alto grau de complexidade envolvido no próprio curso da aprendizagem como processo de decifração dos enigmas cifrados no código dos adultos.
O resgate do pensamento mágico, a descida aos inalcansáveis rasos da simplicidade, a partilha de dúvidas insondáveis, a astúcia de observações mordazes são algumas das pontes que mãe e filhas constroem para unir tempos e entendimentos distantes sobre o abismo comum da curiosidade pueril que um dia também habitou a mente de quem se fez adulto sem, no entanto, ter se despido por definitivo das fantasias da infância. Voltar a vesti-las enseja um teatro de revitalização de uma qualidade de magia que só a boa arte é capaz de traduzir em todo seu esplendor.
Um ato de entrega e cumplicidade que, embora seja pura digressão, é fundamental concretude do que pode haver de mais abstrato. Eis o fascinante paradoxo da experiência quando vivida sem a presunção do conhecimento que a explique!
É o que vemos nesta antologia de crônicas poéticas, Posso Fazer Uma Pergunta – Crônicas Para Salvar Unicórnios, que, assim, se presta ao deleite tanto dos pequenos leitores quanto de nós, adultos, que, independentemente de sermos ou não pais e mães, sempre nos rendemos aos encantos da sagacidade infantil.
Os traços sugeridos pela filha ganham as tintas da mãe escritora fazendo com que realidade e criação artística encerrem-se em textos saborosos, fruídos, cativantes.
Tanto que, após passar uma manhã capturado por eles, entardeci espantado de ver-me tão adulto depois de ter me revisto tão criança.
Ainda bem que jamais serão extintos os unicórnios, estes seres que descobrimos, depois de crescidos, representarem a eternidade. Só assim, talvez, possamos, para sempre revisitar o primordial tempo em que o tempo ainda não pesava e, nele, mais do que respostas, consigamos reencontrar nossas perguntas mais importantes!
A edição independente de Posso Fazer Uma Pergunta – Crônicas Para Salvar Unicórnios, com capa e projeto gráfico de Beatriz Sasse, diga-se de passagem, é primorosa em todos os aspectos.
Luiz Eduardo de Carvalho é escritor com 12 títulos publicados, entre eles os multipremiados Xadrez, Evoé, 22!, Sessenta e Seis Elos e Um Conto de Réis (e de Rainhas).
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