Anatomia de uma matemática equilibrada | por Maiara Líbano

Maiara Anatomia de uma queda - Anatomia de uma matemática equilibrada | por Maiara Líbano

 
 
 
 

Para quem decidiu passar o carnaval maratonando cinema, fevereiro de 2024 estava muito bem servido. Dos diversos filmes bons em cartaz, dois deles chamaram a maior atenção do público: Anatomia de uma Queda e Pobres Criaturas. Foi especialmente interessante ver a repercussão de filmes tão diferentes e que abordam, cada um à sua maneira, a fragilidade do sexo masculino.

Costumo achar filmes de tribunal previsíveis ou marcantes apenas por contarem com uma atuação memorável de alguma atriz ou ator extremamente talentosos. “Anatomia de uma Queda” consegue sair desse lugar do simples desvelar de um crime para abrir uma discussão mais ampla e interessante sobre o lugar da mulher bem sucedida aos olhos de uma sociedade ainda calcada no patriarcado. No filme, a personagem de Sandra Hüllert é mais julgada pelos seus acertos do que pelos seus erros. É o julgamento de passagens dos seus livros de autoficção que a comprometem, tornando-a suspeita pela morte do marido.

Na trama, marido e mulher são escritores e têm um passado tenso de brigas com áudios gravados que por fim se tornam matéria literária para ambos. A falta de ousadia do marido para usar a própria vida na escrita o faz perder espaço para a mulher. Nesta conta: escritor covarde + escritora talentosa, o resultado é recalque. E, como todo mundo sabe, o ressentimento move montanhas. Nesse momento entendemos o 50 Cent em looping (música presente no filme a ponto de irritar até a nós, pobres espectadores).

Chama atenção especial no filme o dilema moral do filho durante o processo. O menino busca pacificar o desejo de perdoar a mãe, caso tenha sido ela a culpada pela morte do pai, e ao mesmo tempo titubeia com tudo o que escuta no tribunal. Mas com o pai já morto, o filho opta por colaborar com a defesa da mãe. Uma conta justa.

O filme termina com final aberto à interpretação do público. Em geral também não gosto de filmes com final aberto, tendo a preferir histórias que tomam partido, ainda que me causem desconforto. Mas “Anatomia de uma Queda” merece elogios pela maneira como constrói a história com os elementos para uma interpretação válida tanto para suicídio, homicídio e acidente, numa soma equilibrada e que não pende para nenhum dos lados

 

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Maiara Líbano é escritora e realizadora audiovisual. Autora do livro de contos “Área reservada para pichadores amadores” (2023, editora 7Letras). No cinema atuou com diretores como Marcio Trigo e Paula Gaitán. É diretora do curta “Vista de Copacabana” e do longa documentário “Eu, um Outro: uma experiência na Justiça do Trabalho”.

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