Fernando Andrade entrevista o escritor Mauro Santa Cecília sobre o livro ‘Bofete’

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Fernando Andrade – Se seu livro tem uma intensidade tanto temática quanto de estilo, como você processa sua poética, neste sentido de aguda técnica de criação?

Mauro Santa Cecília – Esse é um livro diferente de tudo o que já escrevi. Pela primeira vez arrisco escrever sonetos, um formato clássico. Há uma parte inteira dedicada a eles. Comecei a fazer quase de brincadeira e tomei gosto. Os poemas de quatorze versos e dez sílabas foram tomando corpo e pediram espaço. Escrevi sobre gato, a casa inabitada, maconha, café, sair de cena, letra de música. As outras duas partes contêm poemas de diferentes fases em versos livres na sua maioria. Alguns poucos são metrificados. Uso neste livro a experiência de quem já publicou sete livros de poesia e a vontade de fazer mais e melhor. “Bofete” é fruto dessa combinação.

Fernando Andrade – Lembro de um livro que eu li no começo da vida adulta, vida modo de usar, do Georges Perec. Traçado, linhas, vias, rodovias, tudo nos leva ao surpreendente balanço. Como foi traçar esta experiência com este livro depois de um câncer?

Mauro Santa Cecília – Há sem dúvida no livro uma característica de balanço. Tenho já uma estrada, tanto literária quanto de vida, nem tão longa, nem tão curta, com seus ganhos e perdas. Fui diagnosticado com câncer em 2018, há seis anos, e desde então convivo com limitações e um tratamento duro. Logicamente está condição influencia minha criação artística. Em 2019 tive remissão da doença e lancei o livro “Decolagem”, em que abordo o severo tratamento com quimioterapia e o alívio da cura. Mas o câncer voltou em 2021 e me tornei um paciente crônico. Então vida e morte são dois temas muito presentes em “Bofete”. Assim como amor e esperança, fé e afeto, tristeza e alegria.

Fernando Andrade – Tua poética me parece um exercício da canção, muito melódico, com ritmo sensorial, para o movimento cinético dos corpos. Fale um pouco disso.

Mauro Santa Cecília – Sou letrista também. Sou parceiro, entre outros artistas, de Frejat e do Barão Vermelho. Sou coautor de canções conhecidas como “Por você” e “Amor pra recomeçar”. Sobrevivo dos meus direitos autorais, o que é motivo de orgulho. Certamente o lado melódico da minha poesia foi aperfeiçoado com o exercício da canção, com a prática da carpintaria da letra de música. Mas a poesia vem sempre na frente. É a base de tudo que escrevo. Além dos poemas e da letra de música, publiquei dois romances, “Argos” e “Cão de cabelo”, e uma peça de teatro, “O rei dos escombros” com Ricardo Petraglia e Ana Paula Maia.

Fernando Andrade – Você não esquece da nossa sofrida vida brasileira, com seus costumes, jeitos, adaptações. São poemas que não beiram o panfletário, ou proselitista. Fale desta opção.

Mauro Santa Cecília – Os poemas da segunda parte do livro, “Horizonte invertebrado”, tratam de temas caros à complexa realidade contemporânea, com seus absurdos, preconceitos, contradições. Procurei refletir sobre estas questões com o cuidado de evitar justamente o caráter panfletário. Então falo de Marielle, Julieta, da natureza impactada com a ação do homem, dedico um poema ao padre Júlio Lancelloti. Mas sempre buscando trabalhar a linguagem. (Da mesma forma como na parte dos sonetos dedico um poema a Chico Buarque e outro ao poeta Chacal.). A poesia tem que prevalecer sempre.

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