Impressões críticas do pesquisador Tomás Prado sobre o livro ‘Cânticos para enlouquecer Cristo’

Fernando Sousa Andrade JPG scaled - Impressões críticas do pesquisador Tomás Prado sobre o livro  'Cânticos para enlouquecer Cristo'

 
 
 
 

Que boa surpresa receber e ler seu Cânticos para enlouquecer Cristo! Chegou ontem cedo e acabo de terminar a leitura, ao menos a primeira. De saída, agradeço pelo envio e pela dedicatória.

Já havia gostado das questões que propôs na entrevista que fez sobre meu A chama remota. Ao conhecer mais de perto sua escrita, as boas impressões foram reforçadas.

O que de início me deixou curioso foram as referências eruditas, Deleuze, Lacan e até Cristo. Manejar isso na poesia parecia audacioso, mas não demorei para perceber que você daria conta. Detrás delas, encontrei articulações preciosas com o que mais importa: indagações e “clamores”. Porém, nenhum tom presunçoso e sisudo. Cristo “tornado humano”, surfando, é uma imagem que captura bem a maneira como você brinca com essas e outras referências.

Reparei que você explora imagens que também estão presentes no meu romance, como AVC, trem, Tom Waits e outras. Intertextualidades? Parte do trabalho que o leitor não resiste a fazer é catar essas felizes coincidências com suas próprias pesquisas e interesses, mesmo que falar disso pareça paranoico. Aliás, outra referência comum. Até a ideia de “cânticos para enlouquecer” — de como a abertura da poesia a interpretações pode enlouquecer um tipo obsessivo e paranoico — me foi cara. Essas impressões bacanas reforçam sintonias menos aparentes, como o uso que faz do sarcasmo e da ironia. Foi interessante perceber como consegue utilizá-las na poesia. No meu caso, procurei explorar a autoironia em prosa, mas você faz isso com um suposto interlocutor e, na medida que boa parte dessas provocações dizem respeito a problemas da literatura e da escrita, elas interessam a todos que escrevem. Como você é um crítico literário, faz bastante sentido que essa prática tenha sido transposta ao seu fazer poético.

Entre tantos assuntos interessantes, destaco um alerta ou certa acusação de fracasso que o eu lírico faz a esse interlocutor, que é algum outro poeta ou escritor a quem ele se dirige e cujo potencial reconhece. Segundo ele, no processo de enlouquecimento do outro algo importante é abortado. Velho dilema entre loucura e obra (que, aliás, aproxima meus dois livrinhos, o de filosofia e o romance)! A obra teria cedido à egotrip de alguém que, como não é raro entre os loucos, se vê no lugar de um tipo Cristo. Esse boicote da obra — como uma viagem à deriva no ego, em detrimento do trabalho de navegar em direção ao outro —, é que seria humana, demasiado humana. Paradoxalmente, talvez, seria o oposto da obra do verdadeiro Cristo. Em todo caso, o eu lírico reconhece a tensão desses dilemas subjetivos com a literatura. Acredito que esse é mais um dos pontos que me capturaram, porque eu quis enfrentar a incerteza de elaborar questões semelhantes sem necessariamente me comprometer com a definição de um estilo: literatura, filosofia, sonho, delírio…

Digo essas coisas e faço da leitura um possível exercício de interlocução apenas para indicar que gostei bastante do seu livro e que espero que possamos continuar com as boas trocas.
Grande abraço,
Tomás

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