Fernando Andrade entrevista a poeta Ana Maria Vasconcelos

Ana Maria Vasconcelos - Fernando Andrade entrevista a poeta Ana Maria Vasconcelos
 
 
 
 

Fernando Andrade – Seu senso de movimentar os sentidos por sua incrível habilidade com as palavras, fazem deste seu livro uma ode à criação poética. Como é seu processo com a linguagem e também com as imagens? Comente.

Ana Maria Vasconcelos – Quando Octavio Paz disse que a palavra é filha da morte ele não estava para brincadeira! “Falamos porque somos mortais: as palavras não são signos, são anos”. Eu já disse isso algumas vezes e insisto: escrever é escrever contra o papel, é uma batalha, como diz a Mar Becker. Porque existe uma necessidade, uma urgência ali. Para mim escrever sempre foi uma necessidade. Tenho guardados alguns livretos que eu fiz quando criança, com uns sete anos, um sobre cada animal que tínhamos na casa, de modo que já emulavam uma editora própria, com marca registrada, tiragem e tudo! Haha! E nunca mais parei. Então meu processo com a linguagem nasce muito daí, desse incômodo, dessa urgência de criar que me perturba desde que me entendo por gente. E escrevo aos espantos, apesar de vivermos um tempo tão cínico, pouco impressionado com as coisas. Eu gosto de me assombrar com detalhes escondidos na rotina e colocar isso no papel.

Fernando Andrade – Há certo pendor a um minimalismo poético, uma economia formal de usar apenas o fundamental para um efeito sinestésico. Você concorda? Explane os seus argumentos.

Ana Maria Vasconcelos – Sim, os poemas do Longarinas foram reescritos e cortados muitas vezes ao longo do processo. Muitos dos poemas eu trabalhei em oficinas de escrita, especialmente no grupo que a Ana Estaregui conduz e nos aulões da Mayara Blasi, que foram fundamentais. Assim pude dialogar um pouco com os primeiros leitores sobre onde e como editar os versos. Não acho que o texto enxuto seja sempre a melhor solução, às vezes digressões são muito bem vindas! As palavras podem ficar prenhes de significado de diversas formas, não existe um caminho único ou certo para a literatura – o importante é deslocar a palavra do lugar comum, da poeira do uso. Mas, no Longarinas, como o título já aponta, o intuito era caminhar na direção dessa economia formal, sim.

Fernando Andrade – Como usar tão bem as múltiplas referências e citações nos poemas que dilatam significações com nomes e conceitos? Fale disso.

Ana Maria Vasconcelos – Como a Fernanda colocou no texto da orelha do meu livro, não é uma questão de meramente citar, mas, justamente como você falou, de ampliar as possibilidades de leitura, de adicionar camadas ao texto. Sempre escrevemos com a nossa bagagem de leitor em punho, o que faço no Longarinas é mapear um pouco alguns desses percursos que levo nas mãos. Algumas referências estão nomeadas, como o Cesariny e a Clarice. Outras eu trago de modo mais cifrado, como é o caso da Matilde Campilho, poeta a quem me refiro desde o título no poema “matéria escorregadia”. Também trago citações da música, como o Tim Maia, da mitologia, do cinema e de fora das artes, como o experimento médico a que aludo em “psicostasia”. Gosto de escrever com essa rede, apontando para a existência dela, penso que isso faz o verso desembrulhar caminhos mais ricos.

Fernando Andrade – Por que tirou um título tão técnico para seu livro; que nexos causais têm com sua poética com este conceito? Fale disso.

Ana Maria Vasconcelos – O título Longarinas foi escolhido junto com a ideia do projeto, porque ele dá conta da forma e do processo de feitura dos poemas. A minha inspiração primeira veio da música de mesmo nome do cantor Ednardo, da ideia das longarinas de uma ponte velha resistindo ao tempo. Mas os outros sentidos da palavra também cabem perfeitamente: no caso do meu livro, os poemas estão divididos em partes que se interligam, como a estrutura das cadeiras longarinas, por exemplo, que são uma sequência de cadeiras unidas em uma só. Além disso, como você notou, há uma preocupação neste livro com a ossatura aparente do texto, tanto no sentido de ser conciso quanto no sentido de expor aquilo de que é feito, apontando para a própria estrutura. Não me parece ter outro nome mais adequado, além de que “longarinas” é uma palavra muito bonita.

 

Ana Maria Vasconcelos nasceu em 1988, em Maceió/AL. Formou-se em Letras pela UFRJ, onde também concluiu o Mestrado em Literaturas Portuguesa e Africanas. É Doutora em Teoria e Crítica Literária pela Unicamp, escritora e professora de literatura. Longarinas é seu quinto livro de poemas.

Ana Maria Vasconcelos
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