Fernando Andrade entrevista o escritor Nicolas Casal

morrer num dia bom nicolas casal poesia 7letras - Fernando Andrade entrevista o escritor Nicolas Casal
 
 
 
 
 

Fernando Andrade. Este poema morrer num dia bom traz no som e no sentido uma doce cruel ironia. Talvez pelo paradoxo de conceitos. Desta ideia você enfeixa todo o universo temático do livro. Cada seção abrindo outras portas de significação. Fale um pouco disso tudo.

Nicolas Casal. Como você pontuou, uma seção do livro leva à outra: procurei formar um percurso.
Então a composição é mais do que isolar os conceitos em extremos separados. A primeira seção do livro, “Dos bichos”, é centrada nos animais e está no canto oposto da última seção, “De nós”, sobre a experiência humana. Mas os humanos são figuras recorrentes em “Dos bichos”, assim como os bichos em “De nós”.
Diferentes leituras levam a diferentes lugares, claro. Mas um dos destinos finais que eu quis para este livro é a aceitação. Muitos dos poemas são sobre conciliar paradoxos que vivemos. A convivência com alguns desses paradoxos, como a vida dentro da morte e vice-versa, costuma produzir angústia. É um nó dentro de nossa mente. Não tenho a ambição de desatar esse nó completamente. Mas afrouxá-lo, reconfigurá-lo, traz algum respiro também.

Fernando Andrade.  Para mim seu livro se passa pelo espaço imagético da mente. É através do pensamento do leitor que visualizamos entrelinhas, sentidos ocultos. Como foi todo este processo quase figurativo? Comente.

Nicolas Casal. Muitos dos poemas inserem uma dimensão mágica sem maiores explicações. Os acontecimentos são muitas vezes uma extensão das intenções das personagens dos meus poemas. Gosto de dar essa liberdade aos sentimentos nos poemas: eles se espalham por todo o cenário e costumam ser muito convidativos, procurando trazer quem lê para dentro dessa experiência.
Como você pontuou, o espaço imagético da mente é um ambiente constante neste livro, o que não significa que os espaços físicos descritos simplesmente não devam ser considerados reais. De certa forma, a poesia como um todo vive dessa possibilidade: um cenário mental transformado em real pela palavra.
Também acho que vale mencionar Alejandra Pizarnik, uma autora que me impressiona muito em toda leitura. Os cenários que ela cria são repletos de significados ocultos com poucos versos, compondo a partir de imagens repetidas como uma escultura vista por diferentes ângulos. Seus poemas dão muito valor ao pensamento, às dimensões da palavra. A escrita dela é fenomenal. É uma grande influência para mim.

Fernando Andrade. Os bichos não se parecem com seres fabulosos. Parecem mais algum manual de humanidades antropomórficas. Fale destes animais.

Nicolas Casal. Ótima pergunta, Fernando. Quis esconder uma certa estranheza nas referências ao mundo animal. Acho que essa é uma dimensão muito importante da natureza: sempre quebrando nossas ideias de ordem, sempre brotando em lugares inesperados, bastante grotesca. Pensei nos ovos de serpente em um dos poemas, grudados no teto do quarto de um eu-lírico que não consegue descansar, sempre ameaçando nascer e dar o bote.
Outro ponto é a invasão da natureza pela humanidade. Quis descrever uma natureza que incorpora pequenos toques da vida humana, aspectos um pouco ridículos: um beija-flor que (naturalmente) usa óculos, um ganso que se julga dono do Palácio do Catete e deseja ter um canivete para ferir outro ganso recém-chegado.
Os animais neste livro também estão constantemente tomando para si alguns itens que julgamos ser nossos, como laranjas dentro de um caminhão ou até memórias humanas. Um corvo rouba a ilha de Galápagos, “a salvo dos olhos dos curiosos”, e a deixa em uma nuvem. A natureza está fantasiando: está ressentida, não quer ser descoberta, quer reescrever a história. Mas essa interação existe, assim como a interação entre a vida e a morte. Como falei em uma das perguntas anteriores, um dos objetivos dos poemas deste livro é traçar uma história de aceitação. Fantasiar faz parte disso: assim como alguns poemas sobre a morte fantasiam com a eternidade, certos animais no livro vivem a fantasia da natureza interrompendo a violência humana.

Fernando Andrade.  Haveria dentro destes poemas uma lacuna enorme onde plaina a solidão, o desterro? Que afetos estes poemas pertencem? Fale um pouco.

Nicolas Casal. Mesmo abordando temáticas densas, este livro é carregado de esperança. Quis construir essa esperança da mesma forma que a construímos ao longo da vida: em um acúmulo pesos, dúvidas, raiva, sem saber se realmente a teremos, mas também acumulando carinhos, afeto.
A seção final do livro, “De nós”, serve também como conclusão: é a que mais aborda o amor, o afeto, que acredito que preenchem a lacuna que você mencionou. Entrar em contato com o que nos angustia é muito importante para encontrar os ímpetos que nos movem para além dessa angústia – mas também, claro, junto com ela.

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