“CÂNTICOS PARA ENLOUQUECER CRISTO” (Litteralux, 2024), poemas de Fernando Sousa Andrade

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RESENHA | MÁRIO BAGGIO – escritor

“Cânticos para enlouquecer Cristo” é o ótimo e provocativo título do mais recente volume de poemas de Fernando Sousa Andrade. É de lá que vem o instigante “Solta o verbo”:

“Você sabe / o que a boca falou / pro botijão? / não solte o verbo / não explode loucuras / mas a obra tava solta / com a boca na botija / rabo solto, não me preocupa / tá tudo na mesma empreitada / ou na mesma empreiteira”

De lá vem também o muito lírico “Samba embirrado”:

“Lápis de colorir / lápide de não morrer / Lapa de ir / pinte aqui e não morra de rir / esta birra é de sexta-feira, santa? / esta barra é saia, vê se não ensaia e não me desvirtue / vamos intervir — nunca dê o fora… / é só vir, é só chegar / é samba no gargalo / é o canto da sereia… e no domingo, a missa do galo.”

A coletânea de Sousa Andrade é uma experiência lírica singular, que vai além da poesia — é uma provocação existencial, uma busca por respostas e um confronto com os limites da linguagem, do sagrado e da identidade.

O próprio título já sugere radicalização e irreverência, em diálogo constante com o religioso, mas subvertendo-o, o que a poeta Adélia Prado faz com maestria. A carga de simbolismo é intensa, levando o leitor à desconstrução de dogmas, ao abalo de certezas e à exploração dos limites da fé. Não se trata, em absoluto, de uma crítica às religiões, mas de uma investigação profunda da figura do divino e da relação entre o humano e o sagrado. O poeta parece desafiar não apenas as divindades, mas também o leitor ao propor reflexões sobre a fragilidade da existência, a inevitabilidade da dúvida e o mistério da transcendência. Ao longo do livro, os versos fluem como cânticos profanos, mas também como orações desesperadas, questionando a lógica por trás da criação e a moralidade do criador.

A linguagem de Sousa Andrade é densa e repleta de imagens impactantes, como se pode observar em “Casa vazia”:

“um monge nervoso / porque esqueceu / a chave de casa / catalogou algumas / palavras de ordem / de preferência 1 aflito 2 conflito 3 reflito 4 ação refletida / casa vazia — olhar a casa como se não estivesse dentro / o monge depois da aflição / se viu numa zona de conflagração / meditou, meditou, meditou / e viu que a casa é vazia, / pois ele não tinha casa, / morava num mosteiro.”

Recomendo os poemas de “Cântico para enlouquecer Cristo”.

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