Fernando Andrade: A tristeza ou a melancolia tem uma temperatura alta para desolações, desânimos.
Mas seus poemas carregam uma nota musical de certo otimismo com a existência poética, como se a poesia fosse certo antídoto para a monotonia. Escreve-la. Comente.
Fany Aktinol: A melancolia, o sofrimento sempre pesaram enormemente em mim. E carrego esse peso desde sempre, talvez porque fui uma criança muito tímida, que não encontrava seu lugar no mundo e para quem o mundo era uma porta fechada, inacessível. Uma quase total solidão, mas pequenas coisas – que eu ganhava raramente de presente – me traziam algum conforto; um inesperado bloco de papel e um lápis me possibilitaram desenhar, então eu desenhava e me sentia feliz. Riscava ondas do oceano, ou algo parecido, e me sentia plena. No início da adolescência eu lia e gostava de declamar poemas para plateias minúsculas de 3 ou 4 pessoas – a timidez me abandonava naqueles momentos. Era a Arte, sem dúvida, me salvando.
Fernando Andrade: o poeta é um caminhante pelas trilhas da natureza. Ele escreve espontaneamente sobre o que sente, ao ser tocado pelo sol, ao se molhar na chuva.
Longe de certa civilização-urbana , o poeta flui pelo corpo – percepções-memórias, do que capta ao redor. Fale disso.
Fany Aktinol: Sim, o poeta é esse ser sensível que em momentos de inspiração se conecta de uma forma quase mágica com a natureza, fonte de vida tão ao alcance; sol, chuva e também o mar e a montanha. Não há como escapar quando o milagre se dá, o poeta contempla a montanha e sente que ela está viva dentro dele e ele, vivo dentro dela. É um mergulho dentro de um caudal de emoções e o poeta busca e precisa das palavras para equilibrar-se em meio às paixões. Ele terá que ir contra a correnteza para fechar o ciclo de cada paixão. Ele escreverá o poema. E escrever o poema é subir e alcançar o topo da montanha.
Ele se fará vidente após um longo desregramento de todos os sentidos, como queria Rimbaud.
Fernando Andrade: Não há filosofia rupestre, nos seus poemas, talvez uma certa noção pagã, onde a religião não ensina o certo-errado, a direita e à esquerda. Comente.
Fany Aktinol: Falando de religião, eu diria que meu deus é o deus de Spinoza, que disse: “Deus é a própria Natureza.” Não gosto da religião que impõe suas regras, e toda religião o faz.
Não precisamos buscar muito longe, estão na natureza os sinais da presença de Deus.
O pôr do sol, o movimento das ondas, o som que faz o oceano, o vento que balança as folhas das árvores – são, para mim, manifestações divinas.
Fernando Andrade: Há em seu estudo melódico sobre a vida, sua, estou certo ou não, certa dose biográfica de seus caminhos e direções,sobre sua existência. Fale sobre isso.
Fany Aktinol: Meus poemas são em quase sua totalidade autobiográficos. Minha vida interior foi sempre conturbada. Tive que me defender de mim mesma, lutar pela sobrevivência em ambientes hostis. Tenho uma alma cansada, mas ainda com forças para seguir vivendo, ainda com o instinto da sobrevivência e resistência muito aguçados, que me impulsionam adiante, pois como escrevi num dos poemas do livro: … ‘Por vocação
A esperança foi sempre
Essa coisa imensa
Dentro de mim.’
Enquanto há vida, há um pacto silencioso com a continuidade. Uma pequena chama arde e nutre o sonho [assim diz o poema que começa a tomar forma quando chego ao fim da entrevista].
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