Fernando Andrade/ escritor e jornalista
Tempo e cinema guardam uma relação próxima um do outro. São histórias representadas por alguns tempos cortes onde presente passado e futuro, se combinam sem algum laço cronológico certinho. Os personagens podem surgir, sumir e reaparecer de acordo com algumas coordenadas do roteiro. A literatura ou a ficção também podem ter esta certa ambivalência de sentidos, espaços ou marcas temporais cobrindo um infinito segundo de ação ou alguns séculos de passagem dos acontecimentos. É o caso deste belo livro de contos da escritora Sandra Godinho, O negro secou, pela editora Litteralux, que ao lemos sua marcação temporal, não sabemos se os cortes estão para dentro de suas bases contísticas, ou se dilatam em certa preparação romanescas onde personagens surgem ou continuam logo na frente em outro conto ou seção. Sandra nos conta histórias do norte amazônico, fabulando relações entre ribeirinhos madeireiros, seringueiros, relações onde a lei parece não penetrar totalmente dentro da mata, e dos rios que aprofundam a selva nem tão literal, que Conrad em seus livros teriam fascínio pelo material cultural da autora. O labor estilístico de Sandra permeia todas as narrativas com a sempre cuidadosa linguagem; as referências culturais do lugar, frisando uma textura rural e campestre da tradição amazônica. Lidamos com a arte em certo pedaço, lidamos, a sexualidade de alguns personagens não cis gêneros. O negro secou parace criar um espécie de parábola do futuro do norte do país, com as fronteiras que não guardam o tráfico, as armas, desmatam o bioma natural do lugar, fazendo deste tipo faroeste, uma terra sem totem, e representação ritual e mitólogica na tradição cultural.
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