Fernando Andrade entrevista o escritor Luciano Mendes sobre o livro “Litterae Breves”

Luciano Mendes JPG - Fernando Andrade entrevista o escritor Luciano Mendes sobre o livro "Litterae Breves"
 
 
 
 

FA. Seus textos são uma combinação de uma agilidade verbal com uma concisão extrema. Por isso devem ao espaço imagético do leitor, imaginar entrelinhas. Comente. 

LM. Certa vez, a propósito do Litterae Breves, falei com um amigo que era um livro para pessoas preguiçosas: os poemas são concisos e os micro contos são, por suposto, curtos. Era, evidentemente, uma brincadeira. Mas, como brincadeira, aponta também para o fato de que ler um texto, qualquer que seja ele, é também fabular sobre ele, criar possíveis e avançar para o desconhecido em cada esquina dobrada. A minha pretensão poética, se assim posso dizê-lo, é que a agilidade e concisão, que você apontou acima, seja também a criação de um espaço-tempo em que a leitura seja uma espécie de degustação que resulte numa apropriação do texto, claro, mas que isso seja realizado no interior da densidade da experiência leitora – ou seja, da leitura e do leitor que a procede. 

FA. Prosa e verso. Não dá em prosa poética.  Porque juntou textos em prosa com versos livres no livro. Comente. 

LM. O livro tem duas partes, uma de micro contos e outra de versos e alguma prosa. No conjunto, a proposta é que a pessoa que ler o texto possa, por assim dizer, navegar em gêneros literários distintos mas que, a meu ver, têm em comum a fabulação sobre o cotidiano. Se é no cotidiano que nós vivemos – porque aqueles momentos especiais, em que o cotidiano fica suspenso, pelo que há de bom ou de ruim neles, são raros; e a vida ficaria insuportável se fosse um contínuo carrossel de emoções, não é mesmo? – tornar este cotidiano mais ou menos opaco, pela suspensão poética, é um desafio fundamental para o bem viver. Nesta perspectiva, ainda que as possibilidades da linguagem sejam distintas em cada gênero, não importa muito qual é o gênero do texto, mas da disposição leitora para fazer uma leitura literária, e não pragmática, da literatura.

FA. Dê pouco espaço ao personagem e faça o que ele apronta com você. Fale desta afirmação.  

LM. Não foram poucas as vezes que, tendo passado por meus textos acadêmicos, as pessoas vinham me dizer, deles, coisas que eu jamais imaginei escrever. Se tal ocorre no texto acadêmico, que é muito mais regrado em seus protocolos de escrita e de recepção – que é sempre bom lembrar, não são apenas pessoais, mas também institucionais e de comunidades de escritores/leitores -, imagina você no texto literário! E, neste livro especificamente, como falei acima, a ideia é abrir espaço-tempo para a imaginação da pessoa leitora e, se tal for possível, no plano do livro e do texto, que são coisas distintas, convidá-la a criar suas próprias narrativas. É claro que, a partir disso, mas, é preciso saber, mesmo sem esta proposta, o que a pessoa cria a partir da leitura, é uma coisa que não apenas a gente que escreve e publica imagina, mas, como sempre, nem mesmo a própria pessoa que escreve tem plena consciência. É assim com todo texto e com toda leitura, ainda que seja uma produção de baixa qualidade literária e uma leitura feita em condições muito adversas, como aliás, têm sido boa parte das práticas leitoras contemporâneas.

FA. A moral da fábula se encontra por aqui, mas há algo fabular nas suas composições. Comente. 

LM. Eu conheço uma pessoa que, sempre que a gente conta um sonho para ela, ela pergunta pela “moral da história”. E eu sempre brinco com ela que o sonho não tem moral, ele é o que é… o que no fundo significa dizer, também, que ninguém sabe verdadeiramente o que um sonho significa. Daí, o espaço para a interpretação. No caso da literatura, como de toda a obra de arte,  sintetiza tempos diversos e experiências de diversas, que são transfiguradas pela fabulação, pela imaginação. Ora, estas mesmas dimensões das artes estão presentes, também, na leitura, e não apenas na escritura, no caso do texto, claro (e, sempre lembrando, que o livro que  as pessoa tem em mãos, qualquer livro, nunca é redutível ao texto que ele porta). Neste sentido, o sonho, em vigília, de cada artista, é que ele/a contribua para criar condições e disposições de fabulação pela pessoa que lê, ou assiste a um concerto, ou mira um quadro ou uma escultura. Se, como queria Ferreira Gullar, “a arte existe porque a vida não basta”, a obra de arte será tão mais potente quanto for sua capacidade de mobilizar a capacidade fabulativa ou criativa, para a transfiguração da vida,  de cada pessoa que é tocado por ela. Se minha literatura colaborar, ainda que minimamente, para isto, teremos, eu e quem mais participa da “cadeia produtiva do livro” que a pessoa tem em mãos, devemos nos dar por muito satisfeitos.

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