FA – O seu verso atravessa um tipo de voz narrativa muito em voga no cinema e no teatro. Cria um efeito bem estético, onde o ouvinte parece ser chamado para algum tipo de escuta. Fale um pouco disso.
TP – Acredito que seja resultado do sentimento originário de partilha. Cada cena idealizada foi um movimento de contato, mesmo que apenas abstrato. As experiências que mobilizam carregam em si este chamado de escuta, de prestar atenção nos detalhes ou em algo específico. Afinal, para haver troca e compreensão, é necessária uma escuta ativa e, muitas vezes, paciente.
Não que tenha sido algo deliberado, mas acredito que tal chamado, tal força de narrativa que cria este movimento de escuta ou atenção seja algo natural da necessidade de partilha ao se criar um texto. Frente à estas narrativas posso dizer que seria realmente o ato de um Manifesto, que clama por atenção e indica caminhos de absorção e aprendizado.
O ato de dizer, de um jeito ou de outro, sempre encerra um pedido de ser ouvido. As palavras escritas podem parecer mais tímidas, por serem passíveis de encarceramento em gavetas ou pen drives, mas elas por natural capacidade carregam significados absurdamente mais profundos – talvez pela não pressa em serem lançadas, pela meditação que necessitam ou pela liberdade absoluta que garante ao seu criador, lhe dando um espaço físico e temporal de proteção.
A estética vem neste mesmo caminho, como arma de possibilidade de partilha. De forma empática seria tentar dividir, da forma mais precisa possível, sensorial e realista, o que impulsionou este pedido de ouvinte.
FA – A vida quando exposta no palco revela uma grandeza poética muito grande. Deveríamos ter algum tipo de silêncio no poema, mas no seu trabalho, é o contrário ou não que temos, a comunicação, o entorno. Explique um pouco.
TP – Uma das maiores liberdades é tanto o ato de absorver quanto de criar arte. Assim o verbo “dever” não soa muito fidedigno com a arte da escrita. Os silêncios são necessários, muitas vezes, e quando bem empregados podem causar mais impacto que as palavras. Porém quando se trata da promessa de um Manifesto, uma promessa de “manifestar”, creio que a palavra – unida de forma indissociável com o entorno e sua missão de comunicar – se torna mais potente e necessária. Assim a sensação de precisar quebrar os silêncios foi maior.
O entorno foi meu mais profundo meio de trabalho nesta obra, fonte das sensações que se fizeram único meio de sobrevivência num cotidiano de massacrante apatia. Sugar a vida e usar a comunicação para cobrir os espaços foi ato de viver, uma escolha de não abatimento e prova de esperança. Expor este estado de vida e nesta exposição revelar grandeza poética, como você disse, talvez seja a maior felicidade em compartilhar estes recortes de minha rebeldia.
FA – Seu trabalho me lembrou aqueles monólogos muito bem trabalhados no palco. Porque escolheu este tipo de dramaturgia.
TP – Para mim foi uma surpresa este olhar sobre a obra. Mais de um leitor apresentou tal análise, o que me fez sentir como jamais somos donos de nossas criações. É algo que, na verdade, admiro.
Assim minha resposta seria que não foi uma escolha minha (risos). O processo foi apenas de mobilização e sentimento de troca, idealizando as cenas enquanto, naturalmente, misturei realidade e fantasia para criação das mensagens.
Porém, ao olhar por este viés consigo entender este ar de palco, mais especificamente de monólogos, já que foi uma obra embasada na solidão e eterna tentativa de não desistência, de continuar viva em si, apesar das ausências externas.
Foram meus monólogos e de pessoas que eu assistia diariamente, mesmo que em segredo. Talvez a vida seja realmente um eterno monólogo… Dentro de nós e muitas vezes – mais do que gostaríamos de admitir – também nas relações. Parece-me que esta forma de analisar o Manifesto seja uma forma de compreensão que viver é sempre um ato muito solitário e que a procura pela poesia da vida deve sempre, inevitavelmente, partir de nós mesmos. O “Bom vivant” seria realmente aquele que sabe escrever os versos ao longo dos atos, minimizando as distâncias e tocando solidões, para com isso aproximar os seus monólogos com os de quem o rodeiam.
FA – Este seu livro teria o que parecido com algum tipo de manifesto, seria altamente político? Comente.
TP – Acredito que todo ato de manifestar, de questionar, seja em si um ato político. Numa postura bem cartesiana, questionar seria o primeiro movimento para o pensamento e a própria existência, assim qualquer Manifesto, em seu cerne de expressar um ponto de vista seja ele social ou cultural, seria em si mesmo um ato político, sem jamais se distanciar desta ideia de vida comum, condutas e questões que a todos mobiliza.
Quando se expressa, poeticamente ou não, sobre a injustiça que se vive, a insatisfação, solidão, ignorância, julgamentos e até mesmo os próprios materiais artísticos que se consome, não seria esta uma posição totalmente indissociável da política?
Em suma, por sermos seres políticos em essência, onde cada ato envolver ser parte de uma criação mutável, social e humana, cada manifesto – verbalizado ou não – se caracterizaria como um discurso político, afinal as dores que sentimos em nossa pele quase nunca são isoladas (ao que se refere ser sensação singular, jamais experenciada por outros). Talvez por isto a partilha seja tão revolucionária.
Portanto, acredito que meu comentário seria que nem todo político é, em via de regra, um poeta, mas um poeta é inevitavelmente uma criatura política.
FA – Como é teu processo de criação? Você pensa num fio que dê unidade ao livro? Comente.
TP – Como mencionei anteriormente, meu ato de criar é fonte de uma mobilização, sem que haja um processo metódico ou técnico. O fio condutor seria a vulnerabilidade e todo o conteúdo adquirido até então, que permitem um ato de troca, de expressão escrita e de catarse emocional.
Minha sensação pessoal é que sentir se mostra um verbo gigantesco demais para se viver sozinho, então a escrita e poesia aparecem como resposta para aproximar meus monólogos com os outros atores nesse palco.
Nesta constante entrega e catarse sempre peço desculpa pelos excessos, mas sem eles jamais seria possível fazer poesia.
Manifesto o aceite de ser indecisa e exagerada, e expresso em palavras para que seja possível abraçar cada um que possa, mesmo que em um verso apenas, se identificar.
A unidade deste livro, como de qualquer outro, eu diria, seria apenas o aceite e partilha deste humano que cura e dilacera com a mesma perfeição.
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